MULHERES
Quero falar do livro ‘Mulheres que Correm com Lobos’. Comecei a
lê-lo há muito tempo. Parava e retomava inúmeras vezes, demorei muito para concluir a leitura. É longo, trinta e oito
páginas só de introdução. Há alguns meses atrás, consegui o propósito de ir até o fim. Não vale a pena desistir, o livro merece. Trata-se de uma teorização sobre o arquétipo da
mulher selvagem. Através da interpretação de lendas e histórias antigas como as
do Barba-Azul e Patinho Feio, a autora identifica a essência da alma feminina,
propondo o resgate desse passado longínquo como forma de alcançar a verdadeira
libertação. Depois de terminar a leitura, consegui elaborar
meu próprio conceito sobre o tema.
Para eu, nascida interiorana, numa época e lugar onde
tudo se arrancava da terra, da água ao pão. Crescida com as quatro estações
impressas e definidas pelos olhos e sensações; adolescida com os medos e mitos
da vida do mato; depois graduada e analisada, sofrida e vivida, essa mulher que
a autora refere, é aquela que nasce dentro de nós e que vamos perdendo vida a
fora. A que foi sendo domesticada desde sempre, lapidada conforme os interesses
das épocas.
As mulheres
passam quase a vida toda como criaturas disfarçadas, cambaleando sobre saltos,
enfeitadas sob lenços e chapéus, caminham séculos após séculos, fingindo-se de
putas ou santas. Muito mais de santas. Segundo a mitologia romana, puta é a
‘deusa menor da agricultura’. O significado literal da palavra é poda.
As festas em honra a esta deusa celebravam a poda das árvores e, durante estes
dias, as sacerdotisas manifestavam-se exercendo um bacanal sagrado
(prostituíam-se) honrando a deusa o que explicaria o significado corrente da
palavra em muitos países de fala latina.
Essa mulher
não domesticada é sempre a mesma, não importando a cultura, a época ou a
política. Ela é ideias, sentimentos, impulsos e recordações. Sabe o momento de
chegar e o de partir. Por mais que seja torturada, silenciada e enfraquecida,
entre outros sinônimos depreciativos, ela ergue-se às superfícies. Mesmo a mais
tranquila e reprimida das mulheres, guarda um canto secreto para essa selvagem,
com sentimentos e pensamentos exuberantes que são da sua natureza. É necessário
despir-nos dos mantos falsos que nos sobrepõem para despertá-la dentro de nós.
Assim como consegui terminar de ler esse livro, tenho o propósito de ler todos os livros
não lidos da minha biblioteca caseira, que nem são tantos assim. Terminar leituras, contos inacabados, poesias abortadas, ensaios interrompidos, projetos intermitentes... Coisas que fazem parte da complexidade feminina!
É uma forma
de resgatar meus destroços e reorganizar-me. Maneira singela de ‘honrar minha
deusa interior’.