FIM DE TARDE
Desde criança os
fins de tarde me trazem certa melancolia. Nunca pude identificar exatamente que
sentimento é esse. No passado era uma mistura de saudade do dia que se acaba, ansiedade
do escuro da noite que sombreia o horizonte, e a incerteza de um amanhã que está
por vir. Hoje, olho pela vidraça da minha sala de estar, o sol curto de
inverno, manda um breve adeus. Tão breve que quando chega sua hora derradeira, mal
consigo apreciar sua beleza, exprimir um sorriso cor-de-rosa e deu. Ele se foi.
E tudo ao meu redor passa a ser meio temeroso. Os móveis que já não avisto
direito, os carros na rua, com os faróis baixos acesos; gatos miando nos
telhados e um frio na minha barriga. Não alcanço o interruptor de energia para
acender a luz. Um mal estar me assola por dentro. Alguma coisa na noite me traz
aflição. E esta paralisia é somática. Como se o movimento fosse evocar
lembranças que não desejo mais ter. Travo uma luta entre meus sentimentos e a
realidade. Gostaria mesmo que este sol se estendesse por mais tempo. Que o dia
não fosse tão breve e a noite não se demorasse tanto.
O barulho da
porta me traz ao presente. Meu filho chega da rua com toda agitação e energia
próprios da idade. Passa como num pé de vento e só ouço a frase ‘me faz um lanche
que vou pro treino’.
As pernas me
carregam até a cozinha e minhas vontades já não existem mais. Agora é atender
ao pedido que meus ouvidos acataram. Penetro na realidade junto com o cheiro de
bacon que sai da torradeira. A noite pende inteira lá fora. E só resta abafar
meus receios na precisão das horas.