sexta-feira, 21 de outubro de 2016

SUBINDO A LOMBA
A vida é uma lomba. Ou, a vida é feita de lombas. Desde criança, até hoje, escalo muito. Quando comecei o ensino primário, e isso já faz um bom tempo, descia e na volta da escola, subia, em torno de dois quilômetros por uma trilha íngreme, cheia de matos, macegas e medos.
Agora, sempre que volto da academia, subo mais ou menos um quilômetro de lomba. E numa dessas subidas vinha pensando, quanto eu já lombeei nesta vida. E não só eu, vocês que estão me lendo, também. A maioria! Senti-me cansada, pesada. Deve ser porque não tenho mais  vinte e poucos anos e quarenta e poucos quilos. Vim subindo em ziguezague, pra caminhada ficar menos custosa. Na metade da lomba, parei e olhei para trás. Havia feito um bom pedaço, mas ainda faltava outro tanto pra chegar em casa. Segui no meu ritmo, pensativa das coisas da vida.
Nossa caminhada por este chão às vezes é plana, limpa, descomplicada. Noutras vezes, o percurso é escarpado, cheio de sarças e frinchas. Difícil! À medida que a vida segue, vamos perdendo a força física, mas com a experiência aprendemos a driblar as adversidades. Como por exemplo, caminhar em ziguezague numa lomba.  Parar no meio da etapa e tomar um gole d’agua ajudam muito; ter a consciência maina, também, porque quando a consciência está maciça, o peso é dobrado. No caminho encontramos pessoas de todo gênero, sempre buscando o mesmo que nós: trajetórias fáceis. Mas como cantava Raul Seixas ‘é de batalhas que se vive a vida’. E subir lombas tá no pacote.
Mas eu quero uma folga destas tantas subidas na minha vida. Tenho sede de mar e planícies. Quero ar fresco e sombra. Se eu mereço, não sei, mas querer é meu direito. E enquanto sonho com oceanos e várzeas continuo a marcha, quebrando esquinas, atravessando atalhos.

sábado, 1 de outubro de 2016

ZONA CENTRAL

Ontem fui ao centro da nossa capital. Costumo postergar minhas idas, acumulando compromissos e tarefas que sou obrigada a fazer naquela região. Assim quando vou faço tudo de uma vez só, que é pra não ter que voltar tão cedo.
Mas desta vez fui com mais tempo e calma. O suficiente para observar e sentir tudo o que se passava ao meu redor e, choquei! O nosso centro está feio e sujo, mal cuidado, cheio de ambulantes de todo tipo, vendendo de tudo em qualquer lugar. Tá virado numa zona, no sentido mais pejorativo da palavra. Parece não haver mais regularização nem restrição. Até feirinha de frutas e verduras tem no chão de várias esquinas. E pra completar o caos, como estamos em véspera de eleições, a cada metro quadrado um cabo eleitoral oferecendo panfletos, santinhos, colinhas e bandeirolas. Gritaria, ruído, zoeira! Pontos de ônibus sempre lotados, na hora do pico as filas se arrastam calçada afora. Vê-se rostos cansados, peles suadas, olhos perdidos, expressões indignadas. Porto Alegre não é mais ‘Horizontes’ como cantava Kleiton e Kledir nos anos 80: ‘Há muito tempo que ando nas ruas de um porto não muito alegre e que, no entanto, me traz encantos e um pôr-do-sol me traduz em versos, de seguir livre muitos caminhos, arando terras, provando vinhos; de ter ideias de liberdade e ver amor em todas as idades’.
Há vinte e poucos anos quando me mudei do interior pra capital, sentia e respirava a beleza dessa Porto Alegre cantada em versos. Agora sinto minha querida Porto cinza e mal cuidada. A violência desenfreada, é um câncer que deixa o povo desassossegado. No centro a ordem é apertar a bolsa entre os braços, andar ligeiro e atento, ou de preferência não carregar bolsa nenhuma.
Nas imediações do Mercado Público e na Voluntários, final de tarde é uma balbúrdia. Todos apressados, correndo, se esbarrando. Uma neurastenia coletiva.
Respiro e procuro a beleza dentro deste rebuliço. Há muito pra se admirar; a graciosidade é perene e o encantamento se esconde por trás da desarrumação. Quem sabe os novos gestores eleitos possam exumar a Porto Alegre extraviada e trazer de volta a cidade que tem um jeito legal. A cidade que ‘me faz tão sentimental’. E poderei, então, cantar sem receio: ‘Não diga a ninguém, Porto Alegre me tem; não leve a mal, a saudade é demais; é aqui que eu vivo em paz’.