QUASE NADA
Tem dias que me
é difícil levantar. Acordo as sete e rolo na cama até às oito, cheia de culpas
por não ter o ânimo devido e acordar cheia de felicidade e gratidão pelo dia
lindo de sol, pelo sabiá que canta desde a madrugada na minha janela, pelo café
farto que eu poderei tomar na minha cozinha. Meu peito dói espremido por uma
angústia que eu não sei de onde vem.
Noutros dias me
esforço um bocado para levantar na hora certa e cumprir algum compromisso
assumido, como o treino de corrida na Redenção, três vezes por semana com um
grupo de várias idades. Depois que visto o tênis, tomo uns goles de café e
consigo por o pé fora do portão de casa, parece que as coisas começam a
melhorar. Sinto-me realmente plena quando consigo vencer estes pequenos
‘obstáculos psicológicos’.
Segundo o Código
Internacional de Doenças eu devo ser bipolar, transtorno mental em que a pessoa
alterna entre períodos de depressão e períodos de elevado ânimo. E o mais
interessante, é que no decorrer do dia meus humores variam de hora em hora, sem
razões maiores. Vem-me seguido aquela pergunta: será que não sou normal?
Afinal o que é ser normal? Tudo o que não se ajusta à sociedade é taxado
de fora do normal e para corrigir, a psiquiatria moderna tem o tratamento e a
pílula certa para cada diagnóstico. Não acho errado tratar estes males com
medicação, há situações que são imprescindíveis, e graças aos avanços da
medicina há tratamentos eficazes para casos precisos – eu já usei e recomendo.
Mas ter um humor sempre estável, bem
ajustado, numa sociedade insana como a nossa, é sinal de saúde? Essa busca desenfreada pela adaptação à ordem não será justamente a razão
de nossos maiores sofrimentos? Um pouco de loucura é essencial
em qualquer ser humano – falo daquela loucura boa, que nos faz sermos ousados e
buscarmos caminhos originais. As pessoas que são consideradas loucas são as
mais criativas. Os previsíveis fazem o que todo mundo faz, não inovam, não fogem
às regras, não ousam. Fazer loucuras é dar asas a uma possibilidade, é tomar um
rumo diferente.
Assim, enquanto resisto à inclinação de
recorrer às pílulas que façam desaparecer as dificuldades da vida, vou
administrando meus dias instáveis, transitando minha sanidade entre os dois
polos, vivendo minhas alegrias e tristezas intensamente, por quase nada.