quarta-feira, 25 de outubro de 2017

QUASE NADA

Tem dias que me é difícil levantar. Acordo as sete e rolo na cama até às oito, cheia de culpas por não ter o ânimo devido e acordar cheia de felicidade e gratidão pelo dia lindo de sol, pelo sabiá que canta desde a madrugada na minha janela, pelo café farto que eu poderei tomar na minha cozinha. Meu peito dói espremido por uma angústia que eu não sei de onde vem.
Noutros dias me esforço um bocado para levantar na hora certa e cumprir algum compromisso assumido, como o treino de corrida na Redenção, três vezes por semana com um grupo de várias idades. Depois que visto o tênis, tomo uns goles de café e consigo por o pé fora do portão de casa, parece que as coisas começam a melhorar. Sinto-me realmente plena quando consigo vencer estes pequenos ‘obstáculos psicológicos’.
Segundo o Código Internacional de Doenças eu devo ser bipolar, transtorno mental em que a pessoa alterna entre períodos de depressão e períodos de elevado ânimo. E o mais interessante, é que no decorrer do dia meus humores variam de hora em hora, sem razões maiores. Vem-me seguido aquela pergunta: será que não sou normal?
Afinal o que é ser normal?  Tudo o que não se ajusta à sociedade é taxado de fora do normal e para corrigir, a psiquiatria moderna tem o tratamento e a pílula certa para cada diagnóstico. Não acho errado tratar estes males com medicação, há situações que são imprescindíveis, e graças aos avanços da medicina há tratamentos eficazes para casos precisos – eu já usei e recomendo.
Mas ter um humor sempre estável, bem ajustado, numa sociedade insana como a nossa, é sinal de saúde?  Essa busca desenfreada pela adaptação à ordem não será justamente a razão de nossos maiores sofrimentos? Um pouco de loucura é essencial em qualquer ser humano – falo daquela loucura boa, que nos faz sermos ousados e buscarmos caminhos originais. As pessoas que são consideradas loucas são as mais criativas. Os previsíveis fazem o que todo mundo faz, não inovam, não fogem às regras, não ousam. Fazer loucuras é dar asas a uma possibilidade, é tomar um rumo diferente.
Assim, enquanto resisto à inclinação de recorrer às pílulas que façam desaparecer as dificuldades da vida, vou administrando meus dias instáveis, transitando minha sanidade entre os dois polos, vivendo minhas alegrias e tristezas intensamente, por quase nada.