SÓ
UMA SAIDINHA
Numa
casa pequena e pintada de verde, a quarta depois da minha, no outro lado da
rua, reside Dona Helena. Ela mora só e em seu jardim tem muitas árvores, flores
e um belo gramado. Ela tem oitenta e poucos anos e adora passear de ônibus.
Também gosta de conversar com a vizinhança, tomar café e fumar um cigarrinho.
Desde
que iniciou a pandemia eu a percebo saindo, meio que cismada, beirando muros,
rumo ao mercado da esquina, e mais, sem máscara! Quando a gente cumprimenta,
ela responde com um sorriso nos olhos, e já vai justificando que precisa comprar
umas coisinhas no mercado; que acabou esquecendo da máscara, mas é rapidinho,
só uma saidinha de cinco minutos.
Ela
é uma criatura encantadora, nunca a vi se lastimar de nada. Na época que ainda
se podia abraçar e beijar, sempre que me via, dispendia o seu melhor abraço e
perguntava: - e o filho, como vai? Ela não teve filhos.
Também
devido à pandemia, o cartão de passageira, que lhe dá o direito de andar de
ônibus gratuitamente, foi bloqueado, tendo em vista um decreto municipal para
evitar que muitos idosos andem de ônibus em horários de pico e acabem se
contaminando. Nesses dias então, dona Helena tem estado inquieta, anda pela rua
de um lado para o outro, ou então para no seu portão atacando os transeuntes puxando
uma prosa.
Hoje,
saí para caminhar, e como é de costume, lá estava Dona Helena, andando rua
afora, sem máscara, descumprindo as ordens sociais, fumando seu cigarrinho,
dissimulada e feliz, ostentando sua maturidade, plena de uma saúde invejável. Não
tive coragem de chamar sua atenção, ao contrário, adiantei-me e eu mesma dei a
justificativa: - só uma saidinha, né Dona Helena?