sexta-feira, 14 de agosto de 2020

 

SÓ UMA SAIDINHA

Numa casa pequena e pintada de verde, a quarta depois da minha, no outro lado da rua, reside Dona Helena. Ela mora só e em seu jardim tem muitas árvores, flores e um belo gramado. Ela tem oitenta e poucos anos e adora passear de ônibus. Também gosta de conversar com a vizinhança, tomar café e fumar um cigarrinho.

Desde que iniciou a pandemia eu a percebo saindo, meio que cismada, beirando muros, rumo ao mercado da esquina, e mais, sem máscara! Quando a gente cumprimenta, ela responde com um sorriso nos olhos, e já vai justificando que precisa comprar umas coisinhas no mercado; que acabou esquecendo da máscara, mas é rapidinho, só uma saidinha de cinco minutos.

Ela é uma criatura encantadora, nunca a vi se lastimar de nada. Na época que ainda se podia abraçar e beijar, sempre que me via, dispendia o seu melhor abraço e perguntava: - e o filho, como vai? Ela não teve filhos.

Também devido à pandemia, o cartão de passageira, que lhe dá o direito de andar de ônibus gratuitamente, foi bloqueado, tendo em vista um decreto municipal para evitar que muitos idosos andem de ônibus em horários de pico e acabem se contaminando. Nesses dias então, dona Helena tem estado inquieta, anda pela rua de um lado para o outro, ou então para no seu portão atacando os transeuntes puxando uma prosa.

Hoje, saí para caminhar, e como é de costume, lá estava Dona Helena, andando rua afora, sem máscara, descumprindo as ordens sociais, fumando seu cigarrinho, dissimulada e feliz, ostentando sua maturidade, plena de uma saúde invejável. Não tive coragem de chamar sua atenção, ao contrário, adiantei-me e eu mesma dei a justificativa: - só uma saidinha, né Dona Helena?