O CÃO E SEU DONO
Sempre que caminho no parque aquele
cara está lá passeando com seu cão. Chama-me atenção a sobriedade daquela
pessoa, sempre com olhar distante ou baixo, uns quarenta e poucos anos deve
ter, cabelos crespos e escuros, pele amorenada, respondendo ao meu ‘bom dia’ em
alto e bom som, apenas com um balançar de cabeça. Usa quase sempre a mesma roupa:
uma calça jeans preta meio descorada, um blusão caramelo, de lã barata, e por
cima uma jaqueta preta, Puff de nylon.
O cão é de porte médio, preto nas
costas e parte da cabeça, com barriga e focinho amarelo queimado. O cara segura
a guia e o cão o segue, os dois na mesma cadência, sem nada de pressa, como se
tivessem a vida inteira só para aquele passeio. Mas a expressão no rosto cheio
de vincos precoces mostra que aquele cara sustenta uma longa angústia
existencial. Será que tem alguma doença psíquica? Será que não é feliz no
casamento, ou nunca casou ou foi abandonado pela esposa ou pelo marido?
Enquanto vou marcando meus quilômetros
de caminhada rápida, meu pensamento cogita todas as possibilidades de
infortúnios que possam estar penitenciando aquele sujeito. E o mais
interessante vocês precisam saber: o cão é a cara do dono, tanto na estética
como no semblante. Anda cabisbaixo, sem demonstrar qualquer reação a
nada – nem às pessoas que transitam, nem aos outros animais que também passeiam
no local. Eu olho para o cão e para seu companheiro humano e percebo um efeito
espelho, uma simbiose resultante da comunhão de espaços e sentimentos.
Uma coisa é certa: os dois se entendem muito bem e fazem um par perfeito, o que não acontece, na maioria das vezes, entre dois humanos.