quarta-feira, 4 de agosto de 2021

 O CÃO E SEU DONO

Sempre que caminho no parque aquele cara está lá passeando com seu cão. Chama-me atenção a sobriedade daquela pessoa, sempre com olhar distante ou baixo, uns quarenta e poucos anos deve ter, cabelos crespos e escuros, pele amorenada, respondendo ao meu ‘bom dia’ em alto e bom som, apenas com um balançar de cabeça. Usa quase sempre a mesma roupa: uma calça jeans preta meio descorada, um blusão caramelo, de lã barata, e por cima uma jaqueta preta, Puff de nylon.

O cão é de porte médio, preto nas costas e parte da cabeça, com barriga e focinho amarelo queimado. O cara segura a guia e o cão o segue, os dois na mesma cadência, sem nada de pressa, como se tivessem a vida inteira só para aquele passeio. Mas a expressão no rosto cheio de vincos precoces mostra que aquele cara sustenta uma longa angústia existencial. Será que tem alguma doença psíquica? Será que não é feliz no casamento, ou nunca casou ou foi abandonado pela esposa ou pelo marido?

Enquanto vou marcando meus quilômetros de caminhada rápida, meu pensamento cogita todas as possibilidades de infortúnios que possam estar penitenciando aquele sujeito. E o mais interessante vocês precisam saber: o cão é a cara do dono, tanto na estética como no semblante.  Anda cabisbaixo, sem demonstrar qualquer reação a nada – nem às pessoas que transitam, nem aos outros animais que também passeiam no local. Eu olho para o cão e para seu companheiro humano e percebo um efeito espelho, uma simbiose resultante da comunhão de espaços e sentimentos. 

Uma coisa é certa: os dois se entendem muito bem e fazem um par perfeito, o que não acontece, na maioria das vezes, entre dois humanos.