sexta-feira, 26 de novembro de 2021

 

SÓ HOJE

 Hoje fez um lindo dia de sol. O ano está quase no final e a pandemia está sob controle, ao menos aqui no Brasil. Já passamos pelo outubro rosa, indo para o final do novembro azul. A vida passa rápida, enquanto nos jardins e quintais, as flores e plantas têm seu tempo certo de plantio, germinação, colher e florescer. Dentro de mim, o coração bate normalmente, mesmo assim consultei um cardiologista, que ouviu meus sinais e disse que eu não tenho sopro no coração, mas pediu exame ergométrico, entre outros. Talvez clinicamente meu coração esteja são, mas emocionalmente está abalado. Uma saudade bandida me aperta o peito, lembrança de alguém que foi muito importante na minha vida; saudade do que deixei de viver, saudade da época da juventude, tempo em que tudo é muito fácil e se resolve rapidamente na emoção.

Hoje, só hoje, eu queria ter aquele alguém que me abraçasse forte e dissesse: vai ficar tudo bem, eu estou aqui, confie em mim! Estou tão precisada e carente disso. Tem uma música do Djavan que diz mais ou menos assim: ‘sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dar’. Sinto-me assim, hoje, tendo que ter e não ter para dar. E também precisando de alguém que também não tem para me dar. Poderia ser tudo tão mais fácil, mais leve e alegre. Contudo, as picuinhas da vida, vão nos arrastando para um vale de lágrimas, e tudo o que era para ser azul claro, acaba num grande borrão.

Hoje, ‘eu preciso te abraçar, sentir teu cheiro de roupa limpa, pra esquecer os meus anseios e dormir em paz’. Essa música cantada pelo Jota Quest, me define. Preciso da segurança que tu me passava, a certeza de que por trás daquele teu olhar intenso, da gravata vermelha combinando com o terno azul escuro, e do cheiro de Poisson, estava toda a fortaleza que eu preciso para repousar e sossegar meu coração.

Hoje, a incerteza, a insegurança, a instabilidade, estão norteando meus dias e eu sinto uma angústia sem fim. Vai passar, eu sei, mas enquanto não passa, o nó na garganta, o aperto no peito, o pânico, me sobressaltam. Se o tempo não tivesse te roubado da minha vida há tantos anos, se tivéssemos tido a oportunidade de encarnar num tempo único para nós dois, poderíamos ter vivido nosso grande amor. Mas poucas coisas são justas e perfeitas, talvez depois de hoje, outro dia será possível. 

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

 O CÃO E SEU DONO

Sempre que caminho no parque aquele cara está lá passeando com seu cão. Chama-me atenção a sobriedade daquela pessoa, sempre com olhar distante ou baixo, uns quarenta e poucos anos deve ter, cabelos crespos e escuros, pele amorenada, respondendo ao meu ‘bom dia’ em alto e bom som, apenas com um balançar de cabeça. Usa quase sempre a mesma roupa: uma calça jeans preta meio descorada, um blusão caramelo, de lã barata, e por cima uma jaqueta preta, Puff de nylon.

O cão é de porte médio, preto nas costas e parte da cabeça, com barriga e focinho amarelo queimado. O cara segura a guia e o cão o segue, os dois na mesma cadência, sem nada de pressa, como se tivessem a vida inteira só para aquele passeio. Mas a expressão no rosto cheio de vincos precoces mostra que aquele cara sustenta uma longa angústia existencial. Será que tem alguma doença psíquica? Será que não é feliz no casamento, ou nunca casou ou foi abandonado pela esposa ou pelo marido?

Enquanto vou marcando meus quilômetros de caminhada rápida, meu pensamento cogita todas as possibilidades de infortúnios que possam estar penitenciando aquele sujeito. E o mais interessante vocês precisam saber: o cão é a cara do dono, tanto na estética como no semblante.  Anda cabisbaixo, sem demonstrar qualquer reação a nada – nem às pessoas que transitam, nem aos outros animais que também passeiam no local. Eu olho para o cão e para seu companheiro humano e percebo um efeito espelho, uma simbiose resultante da comunhão de espaços e sentimentos. 

Uma coisa é certa: os dois se entendem muito bem e fazem um par perfeito, o que não acontece, na maioria das vezes, entre dois humanos.


 

 

sábado, 3 de julho de 2021

 

O ÚLTIMO RIVOTRIL DA CARTELA

 

Não é de hoje que tenho me sentido estranha. Depois dos cinquenta, tudo foi se modificando aos poucos. Meu sono virou um bloco de fragmentos; o ânimo anda desarranjado e tem dias que não consigo achar graça em nada. A pele do corpo mais ressequida, ossos e músculos mais langorosos e meus cabelos viraram cinza, de cor e de qualidade. No canto dos olhos, no pescoço, as carquilhas do tempo gritam-me lembrando de que ele está passando muito rápido. Celeridade que me causa enorme ansiedade – rimou!

Já dissertei sobre isso em outros textos, mas não me cansa reiterar que a idade me pegou de um jeito ruim. Digamos que me sinto ‘desajeitada’ ou ‘desacomodada’ com ela. E a cada dia que passa não sinto como ‘um dia a mais’, só consigo deduzir que é ‘um dia a menos’.  Não é percepção derrotista, mas uma noção realística.  

Estou consciente que é uma via de mão única, que começa e termina num ponto ‘x’ da estrada.  O tempo que antigamente parecia movimentar-se sem pressa, agora me atropela, pedindo urgências. Quando eu tinha um sono bom e todo  vigor para executar meus ‘mil e um’ ideais, faltavam recursos, oportunidades, orientação... Hoje tenho algum cabedal, maturidade, até diversas ocasiões, mas a time life minguada me causa pânico e imobiliza.

Mesmo me considerando reencarnacionista, meu espírito não é suficientemente evoluído para aceitar de boa a finitude do corpo físico. E confesso que me sinto incomodada com as pessoas que ovacionam a sua terceira idade como se fosse um troféu a ser venerado.  Gostaria muito de ter esta mesma emoção, mas não consigo ter inspiração com isso. Procuro trabalhar e melhorar este sentimento, tenho tido alguns progressos e muita expectativa de que antes de acabar a pandemia da Covid-19, vou me convencer que os melhores anos serão os vindouros. Enquanto isso vou lapidando meu sono com o último rivotril da cartela!  

domingo, 6 de junho de 2021

 

A CAIXA DE LEMBRANÇAS

 

Talvez você não tenha, mas eu e muitos outros temos uma caixa, meio amarelada, amassada, guardada bem escondidinha num armário ou baú, cheia de recordações: cartas de amor, bilhetinhos, cartões postais, de aniversário, fotos, e até telegramas!

Hoje fui procurar uma foto antiga e dei de cara com a minha caixa. Encontrei alguns ‘tesouros’. Mas o que mais mexeu comigo foi um pequeno cartãozinho de felicitações, onde o autor dizia assim: ’ você estará sempre no meu coração, não dá para te esquecer’. E daí, como num filme, passou na minha mente a história que vivi com aquela pessoa. Dos breves, mas intensos momentos que passamos juntos, da alegria que me irrigava a alma quando ele chegava para perto de mim. Um dia ele me trouxe um bichinho de pelúcia: o gato Garfield! Ele sempre sabia do que eu gostava. Ah, meu velho e doce amor!

Assim, fui remexendo aquela caixa de memórias. Encontrei dez cartas escritas à mão, do homem com quem me casei. Mas não ousei ler!

Um telegrama me chamou atenção. Sim, eu tenho guardado telegramas, uma das maiores revoluções tecnológicas do fim do século XIX e início do século XX, hoje é documento que poucos lembram.  Esse telegrama de felicitações diz: ‘princesa, que neste dia a felicidade tome conta de você’.  E devo ter ficado bem feliz mesmo com aquela mensagem de um pretendente querido.

Além de bilhetes, cartões, telegramas, cartas, o melhor, foi ver as fotos da juventude, momentos sozinha, com família, com amores...  Ah, a juventude, onde as horas são mais longas e nem damos tanta importância ao tempo. Lembrei-me então, do final de um poema de Mário Quintana: “Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.”

E naquela caixa ali na minha frente, com o conteúdo esparramado no chão percebi que nela está a memória de boa parte da casca dourada e inútil das minhas horas.

 

sexta-feira, 19 de março de 2021

 

ESTAMOS EM GUERRA

Gostaria de voltar a escrever sobre amenidades, coisas leves da vida, do cotidiano. Mas está difícil! Não há mais assunto que não aborde o caos que nos envolve. Estamos em estado de alerta, estado de choque. Hoje já não existe mais ninguém que não tenha perdido um conhecido, familiar ou amigo, por esta peste mundial. Aqui no Brasil, estamos no pior momento da crise epidêmica. Na mão de um governo perverso e relapso, o povo sangra!

Olho para todos os lados e não consigo vislumbrar o que me persegue. Não podemos mais encontrar amigos, visitar familiares, não temos mais vida social. Estamos mortificados pelo terror! E eu me sinto desfalecer de ansiedade, acredito que todos estamos nesse nível de estresse emocional. A Ordem a que pertenço, está disponibilizando psicólogos online, gratuitamente, para todos seus filiados, no intuito de aplacar nosso pânico. Nos noticiários, médicos chorando por terem que escolher quem vai ter um leito de UTI e quem vai morrer na espera. O pessoal da saúde que está à frente da trincheira, dizendo que estão ‘enxugando gelo’, porque trabalham, trabalham e ‘a coisa’ só aumenta. Tenho dó desses trabalhadores incansáveis que se desdobram em busca de forças para atender os doentes que chegam em bateladas nas emergências, nas UPAs, nos hospitais...

Estamos todos assustados, temendo um inimigo que não vemos, contra o qual a única arma é a vacina. E esta não chega devido à falta de coordenação pelo Ministério da Saúde que tem sido o entrave para a vacinação no país. Já poderíamos estar com metade da população imunizada. Mas ao invés disso o governo troca de ministro pela quarta vez, seguindo suas inconsequentes manobras políticas.

O que estou escrevendo não fará alguma diferença, mas preciso colocar na tela, no papel, minha angústia e indignação com tudo que isso. Quero apenas demonstrar meu sentimento de vulnerabilidade diante dessa balbúrdia.

E saber que estamos ‘todos no mesmo barco’ não me consola. Eu quero estar é ‘fora deste barco’, bem segura na areia da praia, caminhando com os pés firmes no chão, de mãos dadas com meus afetos, tomando sol e vento nas faces, VACINADA e feliz! 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

 

A COISA

 

No final de 2019, ouviu-se falar de um vírus que estava matando pessoas em Wuhan, na China. Eram cenas assustadoras, muita gente morrendo, principalmente idosos. Lembro que naqueles dias estávamos veraneando e acompanhávamos as notícias que alertavam da gravidade do ‘bicho’.

Parecia tudo tão longe, tão distante, que no princípio nem ‘damos bola’, até que brasileiros que moravam em Wuhan reivindicaram que o governo brasileiro os retirassem de lá. Depois de ajustes diplomáticos, um avião da FAB trouxe os brasileiros que ficaram de quarentena. Até aí, ainda estava ‘tudo bem’, mas logo surgiu um caso de contágio em São Paulo, de uma pessoa que viajara para o exterior.

Não demorou muito para ‘a coisa’ se alastrar e as teorias sobre a origem da doença são várias. Há a hipótese de ser um vírus criado em laboratórios chineses; a teoria conspiratória da criação de uma arma biológica para melhorar economia do país; e uma vacina contra o HIV que não deu certo e ‘escapou’. A grande parte dos cientistas, porém, comentam que o mais provável é que a fórmula do SARS-CoV-2 é muito diferente daquelas vistas em vírus do mesmo grupo. Para eles, o mais provável é que tenha passado por processos de evolução natural, já que existiu uma versão do vírus no passado.   

Eu, particularmente, compartilho com a hipótese de o vírus ter sido criado pelos chineses, uma forma dantesca, desumana, de resolver os problemas econômicos do país e me parece que essa é a ideia de boa parte da nossa população, fora o grupo dos ‘negacionistas’. A verdade é que estamos lutando contra uma doença sem parâmetros.

Por enquanto o que nos resta é continuar com o distanciamento social, usar máscaras, higienizar as mãos, evitar aglomerações, e aguardar ansiosamente pela vacina. Infelizmente, ainda tem um bocado de pessoas que não entenderam o tamanho e a gravidade da ‘coisa’.

Quando essa ‘coisa’ bate à nossa porta, vestida de um manto preto com a foice na mão, é que compreendemos a dimensão e o estrago que ‘a coisa’ faz.

Ver um familiar ou pessoa querida intubada numa UTI é muito triste. Não consigo nem dizer mais nada, apenas cuidem-se e VACINA SIM.  

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

 

CHUVA DE VERÃO

Os dias de janeiro foram quentes, densos. Não é por nada que nossa capital tem o apelido de ‘Forno Alegre’. Eu, particularmente, sofro muito com o calor, agora mais ainda do que quando era mais jovem. Fevereiro entrou trazendo bastante chuva, o que torna a temperatura mais agradável.

Olho pela vidraça e acompanho o ruído da chuva no telhado da varanda, ‘chuá, chuá’. Isso me traz lembranças da infância. Naquela época eu morava no interior. Nossa casa era grande, cheia de vidraças. Lembro dos temporais de verão, quando caía tanto granizo que muitas vezes estilhaçavam as vidraças. Mas era justamente nos dias de chuva que eu me recolhia para ler, gostava das revistas de fotonovelas, e dos livros da coleção ‘Seleções’. Devorava tudo com avidez, e quando minha irmã mais velha, que já morava na cidade, demorava para trazer novas edições, eu acabava repetindo as leituras.

Também eram nesses dias quentes e chuvosos, que todos lá em casa se reuniam na cozinha para comer pipoca com melado e tomar chimarrão.

E quando a chuva forte passava, eu e meu irmão mais novo saíamos para a rua, molhávamos os pés e depois pisávamos nas cinzas do forno de pão. Depois escorregávamos na grama molhada. A cinza em contato com a grama molhada formava uma espécie de ‘escorregador’, e a brincadeira era muito divertida. Muitas vezes levávamos uma sova porque a gente se sujava muito, e naquela época não tínhamos chuveiro elétrico em casa, a gente se lavava na água fria do poço, o que em certas ocasiões acabava em febre e resfriado. E minha mãe já estava um tanto farta de cuidar de filhos convalescentes.

Hoje, simplesmente observo a chuva que traz um armistício no calor do verão. Para mim, dias assim, são também de reflexão, um transporte para o passado, um passeio no futuro.

Gozo o presente com mais sensibilidade, na confiança de que a chuva trará bons augúrios neste início de ano.