sábado, 3 de julho de 2021

 

O ÚLTIMO RIVOTRIL DA CARTELA

 

Não é de hoje que tenho me sentido estranha. Depois dos cinquenta, tudo foi se modificando aos poucos. Meu sono virou um bloco de fragmentos; o ânimo anda desarranjado e tem dias que não consigo achar graça em nada. A pele do corpo mais ressequida, ossos e músculos mais langorosos e meus cabelos viraram cinza, de cor e de qualidade. No canto dos olhos, no pescoço, as carquilhas do tempo gritam-me lembrando de que ele está passando muito rápido. Celeridade que me causa enorme ansiedade – rimou!

Já dissertei sobre isso em outros textos, mas não me cansa reiterar que a idade me pegou de um jeito ruim. Digamos que me sinto ‘desajeitada’ ou ‘desacomodada’ com ela. E a cada dia que passa não sinto como ‘um dia a mais’, só consigo deduzir que é ‘um dia a menos’.  Não é percepção derrotista, mas uma noção realística.  

Estou consciente que é uma via de mão única, que começa e termina num ponto ‘x’ da estrada.  O tempo que antigamente parecia movimentar-se sem pressa, agora me atropela, pedindo urgências. Quando eu tinha um sono bom e todo  vigor para executar meus ‘mil e um’ ideais, faltavam recursos, oportunidades, orientação... Hoje tenho algum cabedal, maturidade, até diversas ocasiões, mas a time life minguada me causa pânico e imobiliza.

Mesmo me considerando reencarnacionista, meu espírito não é suficientemente evoluído para aceitar de boa a finitude do corpo físico. E confesso que me sinto incomodada com as pessoas que ovacionam a sua terceira idade como se fosse um troféu a ser venerado.  Gostaria muito de ter esta mesma emoção, mas não consigo ter inspiração com isso. Procuro trabalhar e melhorar este sentimento, tenho tido alguns progressos e muita expectativa de que antes de acabar a pandemia da Covid-19, vou me convencer que os melhores anos serão os vindouros. Enquanto isso vou lapidando meu sono com o último rivotril da cartela!