O
ÚLTIMO RIVOTRIL DA CARTELA
Não é de hoje que tenho
me sentido estranha. Depois dos cinquenta, tudo foi se modificando aos poucos.
Meu sono virou um bloco de fragmentos; o ânimo anda desarranjado e tem dias que
não consigo achar graça em nada. A pele do corpo mais ressequida, ossos e
músculos mais langorosos e meus cabelos viraram cinza, de cor e de qualidade.
No canto dos olhos, no pescoço, as carquilhas do tempo gritam-me lembrando de
que ele está passando muito rápido. Celeridade que me causa enorme ansiedade –
rimou!
Já dissertei sobre isso
em outros textos, mas não me cansa reiterar que a idade me pegou de um jeito
ruim. Digamos que me sinto ‘desajeitada’ ou ‘desacomodada’ com ela. E a cada
dia que passa não sinto como ‘um dia a mais’, só consigo deduzir que é ‘um dia
a menos’. Não é percepção derrotista,
mas uma noção realística.
Estou consciente que é
uma via de mão única, que começa e termina num ponto ‘x’ da estrada. O tempo que antigamente parecia movimentar-se
sem pressa, agora me atropela, pedindo urgências. Quando eu tinha um sono bom e
todo vigor para executar meus ‘mil e um’
ideais, faltavam recursos, oportunidades, orientação... Hoje tenho algum
cabedal, maturidade, até diversas ocasiões, mas a time life minguada me causa pânico e imobiliza.
Mesmo me considerando
reencarnacionista, meu espírito não é suficientemente evoluído para aceitar de
boa a finitude do corpo físico. E confesso que me sinto incomodada com as pessoas que ovacionam
a sua terceira idade como se fosse um troféu a ser venerado. Gostaria muito de ter esta mesma emoção, mas
não consigo ter inspiração com isso. Procuro trabalhar e melhorar este
sentimento, tenho tido alguns progressos e muita expectativa de que antes de
acabar a pandemia da Covid-19, vou me convencer que os melhores anos serão os
vindouros. Enquanto isso vou lapidando meu sono com o último rivotril da
cartela!