terça-feira, 26 de junho de 2012
A OUTRA
A faxineira chegou,
Entrou em mim.
Limpou o chão
Do quarto, sala,
Varanda, banheiro...
Espanou os móveis
Depois lustrou.
Que limpeza que ficou!
Ao som da música sertaneja:
Mexe Que é Bom,
Saudade Bandida,
Luar do Sertão...
Nem paguei diária,
Foi embora feliz!
Amanhã, diz
Que vai voltar
Pra cozinhar.
* Esta poesia foi selecionada e faz parte da Antologia 'Histórias do Trabalho', edição 2008 - SMC de Porto Alegre-RS.
domingo, 17 de junho de 2012
O BAILINHO DE DOMINGO
Chega-se lá
pelas quatro da tarde. A pista já está cheia, as mesas também. Um cheiro de
naftalina no ar, misturado com perfumes de aromas diversos e indescritíveis, um
odor de alegria misturado com nostalgia; de juventude com velharia; de
realidade com fantasia.
Numa mesa mais
ao fundo, próxima da pista e do banheiro feminino, local estratégico, senta o
Piu-Piu. Com oitenta e oito anos, restam-lhe ainda alguns fios muito finos e
branquinhos de cabelos, que ele penteia para trás com alguma coisa umedecida
para que se mantenham firmes na posição. Suas juntas estão doentes de artrose.
Mesmo assim, dança com os braços e as mãos, acompanhando a música do conjunto.
De vez em quando uma moça vem e lhe tira para ‘uma peça’. Ungido de todas as
forças, mais da alma que do corpo ele sai rodopiando, marcando direitinho o
ritmo, seja lá qual for, e aguenta firme até o final. Depois senta e toma mais um gole do uísque
bom que trás de casa, numa garrafa muito particular. O garçom que já o conhece,
deixa-lhe uma jarra com pedrinhas de gelo e alguns guardanapos, em troca de uma
polpuda gorjeta de doze reais.
As mulheres usam
seus melhores modelos de vestidos, blusas, calças justas ou saias de oncinha,
pretas ou coloridas, com bijuterias e encharpes muito brilhosas. Gordas,
magras, velhas, seminovas, retocadas, plastificadas... Não importa, a regra é
ser feliz!
Os homens, mais
raros, são quase sempre os mesmos: o carioca, a cada domingo, usa um terninho
de cor diferente, conforme o tema da ocasião: durante a copa do mundo, usa um
terno com as cores da bandeira do Brasil; no domingo que tem GRENAL, vem de
vermelho, deve ser colorado e nos ‘domingos normais’, usa os outros, branco,
bege, azul... Sempre combinando com sapatos envernizados e gravata. Ele dança
sempre no mesmo passinho, independente do ritmo. Deve ser por causa dos muitos
anos de marcha no exército. È sargento aposentado!
Tem um senhor
que chega com uma boina e um termo escuros e camisa vermelha. A gravata sempre
é branca. Entra com as mãos no bolso, olhando por cima, de cá para lá, sondando
o ambiente, com ares de predador. Quando começa a dançar, não para mais. Reveza
com a mulherada que parece se divertir muito com ele salão afora.
Lá pelas tantas,
a música cessa e a dona do baile, com voz aguda e meio fanha, sobe no palco com
seu rei e rainha. Agradecem as presenças, anunciam os aniversariantes, convidam
para o próximo. Os presentes formam um grande círculo na pista, o conjunto
começa a tocar ‘feliz aniversário’ e os parabenizados giram pelo salão
mostrando seus passos e movimentos, cada qual se proseando mais do seu desempenho.
O círculo se
desfaz, uns voltam a sentar, outros trocam de pares e continuam a dançar.
Algumas mulheres vão ao banheiro retocar cabelo e maquiagem. Retornam às mesas
sentindo-se renovadas e... Segue o
baile.
quinta-feira, 7 de junho de 2012
SABEDORIA e IDIOTIA
Curiosa com o significado das palavras,
futriquei na internet sobre estes dois termos. Encontrei muitas
significações. Segundo os ensinamentos de Sócrates, sabedoria é você estar
sempre buscando o porquê das coisas, mas também admitir que você nunca será o
detentor da verdade. Aristóteles dizia que a dúvida é o princípio da sabedoria.
Sabedoria é a qualidade do sábio, é prudência, moderação, temperança,
sensatez. No popular brasileiro, sabedoria é esperteza, astúcia, manha. A
idiotia, por sua vez, é definida como ‘atraso
intelectual profundo, caracterizado por linguagem e nível mental inferior ao da
idade normal de três anos’. Conseqüentemente, idiota é todo sujeito doente
de idiotia, ou simplesmente uma pessoa pouco inteligente, ignorante, imbecil. A
idiotice é um tema vasto, com muitos aspectos diferentes. Quando examinamos a
questão da inteligência e da idiotice, surgem algumas perguntas: o que é,
afinal, inteligência? O que é burrice? A idiotice é genética, hormonal
ou aleatória?
Encontram-se tanto sábios quanto idiotas em qualquer lugar: do seu lado,
às costas, nos bares e restaurantes, nas tribunas, palcos, auditórios, na
frente do computador... Ou até à frente, ou atrás, deste artigo que se lê. Há
idiotas que passam por inteligentes e há pessoas inteligentes que passam por
idiotas. O caso de um dos maiores gênios da ciência, Albert Einstein, é
ilustrativo. No início da vida, ele recusou-se a falar antes dos três anos de
idade. Seus pais pensavam que fosse retardado mental. Quando Einstein ingressou
na escola, foi novamente considerado imbecil. Para os professores, ele era um
idiota que não conseguia decorar nada e se comportava de modo estranho. Em vez
de responder imediatamente a uma pergunta, como os outros alunos, sempre hesitava.
E, quando respondia, movia os lábios em silêncio, repetindo as palavras.
Décadas mais tarde, Einstein deu o troco. Ele qualificou o nosso moderno
sistema educacional como uma estrutura que reprime a inteligência e busca
fabricar idiotas obedientes.
Na vida acelerada do mundo de hoje, todos querem ser espertos, vivos e
astuciosos. Certa ocasião um colega me disse: ‘o mundo é dos vivos minha
querida!’ Será que ele quis dizer que eu sou idiota? Vai saber!
Poderia escrever
sobre este tema até a vigésima página, mas o espaço limitado não me permite.
Também não adiantaria muito, porque ninguém mais tem tempo para ler. Sempre há
‘algo mais importante a fazer’. É a vida
corrida!
terça-feira, 5 de junho de 2012
O PRAZER DA FOFOCA
A origem da palavra
fofoca vem do verbo mexericar que significa falar mal de alguém e que deriva do
forte odor que a fruta mexerica deixa na mão. Não há como esconder que se comeu
ou descascou uma mexerica. Essa mesma inclinação reveladora tem o fofoqueiro.
Pedir segredo para o fofoqueiro é como pedir a alguém que não revele que comeu
uma mexerica. Falar da vida alheia é uma prática bastante antiga. Na
pré-história, os homens buscavam informações da vida de outros humanos, para
saber suas fraquezas e medos com o objetivo de dominar, conquistar, vencer.
Naquela época não havia escrita e as informações eram passadas oralmente.
Assim, a fofoca passou a fazer parte da história, sendo utilizada em
estratégias políticas, para desmoralizar monarcas.
No Jardim do
Éden, logo após Adão e Eva ter comido do fruto proibido, a Serpente - causadora
da expulsão do casal do Paraíso -, não satisfeita, disse para Adão que ouviu
dizer que Eva teria dito que achava o seu pinto pequeno. Se Adão acreditou, ou
não, o certo é que logo depois tratou de cobri-lo com uma folha de parreira.
O fato das pessoas se
importarem tanto em saber sobre a vida dos outros muitas vezes é uma compensação
por frustrações próprias, além de pouca atenção e cuidado com a própria vida. Quem
faz fofoca levando as derrotas dos outros para frente é porque não quer olhar
para os próprios erros. As pessoas mais incapazes são as que mais fazem fofoca.
A fofoca tem reputação
indiscutível. Muitos a praticam com zelo e competência invejáveis e nem sempre
ela se apresenta como intriga. Às vezes é beneficamente necessária, surgindo
como esclarecimento de fatos. Todos os meios de comunicação nos mantém
alimentados com a ‘mexericada’ de qualquer espécie.
A futrica governa invisivelmente o mundo, que
é uma teia enorme de fofocas aumentando a cada segundo. Há sempre uma boca para
fofocar e muitos ouvidos prontos para acolher, distorcer, aumentar e passar
adiante. Todos querem dar sua contribuição, sentir ‘o seu prazer’. Tudo isto parece ser a mais autêntica
verdade.
A GENTILEZA ANDA LENTA
Todo dia vê-se
notícias de acidentes de trânsito que chocam. ‘Um rapaz de dezenove anos,
dirigindo bêbado, num carro de não sei quantos mil, atropela uma série de
pessoas. Os pais pagam trezentos mil para ele responder o processo em
liberdade’. ‘Um engenheiro que dirigia seu Porsche a 150km/h bate num Tucson e
mata a jovem motorista de vinte e seis anos’. E as ocorrências seguem.
Não sei porque
as campanhas de trânsito aqui no Brasil, que tem sido intensas, não fazem
efeito na consciência de certas pessoas. É tão simples dirigir com prudência,
dentro da lei e principalmente, com gentileza. Esta, então, anda a passos de
formiga e sem vontade, tanto nas cidades como nas rodovias.
Na Europa e em
algumas cidades aqui do Brasil, Brasília é um exemplo, a preferência nas faixas
de segurança é sempre do pedestre. Tentou-se implantar este costume aqui em
Porto Alegre. Não pegou. Foi um horror! Os motoristas xingavam os pedestres e
estes palavreavam feio com os motoristas. Alguns dias atrás, eu dirigia numa
rua aqui da capital. Parei numa faixa de segurança para dar preferência a uma
senhora. Quando parei, os carros que estavam atrás de mim começaram buzinar, um
motorista fazia sinais com a mão e outro arrancou o carro a toda velocidade,
pegou a faixa da direita, quase atropelou a transeunte e se foi na frente.
Mais adiante, na
próxima sinaleira, ele teve que parar do meu lado. Fiquei pensando: por que
aquela pressa em ultrapassar, se logo adiante teria que parar no sinal? Existe
uma necessidade fálica de ‘estar adiante’, de ‘entrar primeiro’, de vencer!
Freud explicaria melhor.
A gentileza é
ato tão simples, de efeito muito decisivo nas relações humanas, tanto para quem
a recebe, como para quem a pratica. Mas para o exercício desta qualidade é preciso
ter esforço e urbanidade. Esta natureza pertence apenas aos nobres, ilustres e
distintos, não de valor econômico ou social, mas de caráter.
sábado, 2 de junho de 2012
VETERANO
Ele está comigo há mais de vinte anos. Foi um presente de aniversário. Capa
brochura, azul marinho com letras douradas. Deve pesar uns dois quilos. Mil
quinhentos e trinta e oito páginas de conhecimento. Meu companheiro nos
momentos de dúvidas textuais, gramaticais, literais. Tocá-lo com meus dedos
ágeis, sentir seu cheiro de sabedoria, é um ato que me renova. Um ritual que
faz os versos passearem mais rápidos e fluentes pelas minhas ‘veias
literárias’. Deve ser efeito da adrenalina, liberada pela excitação das
consultas e descobertas. Parece-me que
nele as palavras são mais concentradas e sei que dali jamais fugirá. Ele é
único e indelével.
Nestes tempos de informatização globalizada, tudo o que se quer
encontra-se disponível online. Desde significações de palavras, receitas de
suflê e bolos, até amor e sexo. Entre outros assuntos e sentimentos estranhos e
demasiadamente modernos. Mas nada substitui a integridade de um amor antigo. Sinto-me
segura e bem assessorada com ele. Se houver outro apagão e o sistema elétrico
cair fico sem acesso à rede e a qualquer informação. E essa é a melhor hora em
que ele me consola. Nunca me deixa só, sempre vem em meu socorro. Posso vir a
perdê-lo? Sim, pode acontecer com qualquer objeto de nosso afeto. Mas procuro
alimentá-lo com carícias e folheadas a todo instante. Mantenho-o disponível na
estante, ao meu alcance! (estou cheia de
rimas hoje)
Veterano, amarelado, empoeirado e meio aos pedaços, para mim é o mais
completo compêndio das palavras e significações da língua portuguesa. O velho
Aurélio, do qual jamais me desfaço e juntos vamos cantando “Está findando meu tempo, a tarde encerra mais cedo, meu mundo
ficou pequeno e eu sou menor do que penso...”
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