terça-feira, 23 de abril de 2013


 
REENCONTRO     


Estou aqui a rabiscar sobre as linhas vazias de um resto de caderno, empacada num poema que insiste em não nascer. Mais uma vez um parto difícil. O pior é que o sinto latente, espremendo meu ventre, querendo rasgar-me a carne, sangrando-me de dores. Mas, nada! Apenas algumas palavras perdidas, sem nexo nem sucesso. O que será que me travou assim?
Terá sido este longo e friento inverno? O tempo sobrando que eu nunca acho? As panelas, os gatos, as roupas, os pratos...?
          Parece que me perdi nesta vida doméstica que não se recicla e já nem sei embaixo de qual tapete ou sobre qual armário me deixei acomodar.
No ímpeto de ressurgir-me, saio a caminhar até a Redenção: passo pelo laguinho e chego às bancas da feira. Sinto o cheiro das flores de pêssego, do melado na pipoca, do incenso e outros tantos. Meu instinto já desperta, conspirando ao meu favor.
E, no café do Maomé, reencontro meu sabor. 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Voltei!

Um bom 2013, com quatro meses de atraso, a todos meus leitores.

Me perdoem a distração e ausência, mas eu sou mesmo assim, uma

Metamorfose Ambulante:

Eu quero dizer
Agora, o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
...
Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor

Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator
          (Raul Seixas)

A TORTA DE DAMASCO


          Coisa que mais gosto é ir ao shopping num dia qualquer, sentar num café e lambuzar-me com uma fatia de torta ou outro doce, água mineral com gás e um carioquinha.
Numa tarde de final de fevereiro, pedi uma fatia de torta de damasco que estava me esperando, linda, iluminada e recheada, na vitrine da Bella Gula. A fatia custava sete e noventa, mais o café, foi doze reais.
           Cheia de satisfação abocanhei a primeira garfada. Fechei bem os olhos para sentir melhor o sabor do doce. Abri os olhos para uma nova sequência de garfadas, quando começo a pensar na careza daquele meu prazerzinho. Com quinze reais faço uma torta de damasco na minha cozinha, o que significa que estou comendo uma ínfima fatia pelo mesmo preço com que poderia estar comendo meio bolo, no mínimo. Mas aí tem o trabalho de fazer. Tem que ir ao super, comprar os ingredientes, cozinhar os cremes, fazer o bolo, montar a torta, deixar esfriar, e só depois comer. E o pior é a pia cheia de louça para lavar, eu suando na boca do fogão, açúcar nos cabelos, meleca nas mãos. 
           Volto para a fatia, já na metade. O que estou pagando afinal? Nesta fatia deve estar ‘recheado’ o valor dos ingredientes de toda a torta, parte do salário do funcionário que a confeitou, a energia gasta, o aluguel do bistrô, os impostos, o percentual do lucro do proprietário da franquia e sem dúvidas, o lucro daquele que menos participou da produção: o dono da rede confeiteira. 
            Bebi o último gole do café. Dei a última garfada no bolo, já meio enjoada daquele prazer. E nem considerei, na análise econômica, o valor da água com gás.