CHOVE LÁ FORA
O inverno
continua insistindo na sua presença fria, inexorável, pertinaz. Da minha
vidraça observo as calçadas molhadas, poças na rua, o chuvisqueiro cortando o
ar. A amoreira, com os poucos dias de sol e temperatura um pouco mais alta da
semana passada, se encheu de brotos, folhas e pequenas frutinhas. Apressada,
roga pela primavera. Eu, assim como a amoreira, me sinto pronta para rebentar
minha natureza, reprimida pelas circunstâncias da vida. Tantos planos por
germinar, expectativas malogradas, saudades contidas, rascunhos desperdiçados,
versos não construídos. Quero gritar ou correr, não consigo. A chuva atrapalha
as corridas, os gritos perdem-se na solidão da casa. E tudo fica no zero a
zero, mas eu quero um a um. As vontades e lembranças são de amor e calor, mas a
realidade me remete ao frio aqui do sul.
Bem dizem os
especialistas e as pesquisas, que o
clima pode alterar funcionalmente os estados emocionais humanos. Há uma
estreita relação entre o humor e o tempo, sem dúvida. O verão é de humor
elevado, o inverno reflete a introspecção. Deve ser porque a luz do sol estimula a produção de
serotonina, dopamina e melatonina. É a química do cérebro ditando as regras do
nosso bem estar. Mas não é só isso, além das reações químicas positivas que a
presença do sol traz para o organismo, também existem benefícios psicológicos.
Nos meses e estações onde os dias são mais quentes, iluminados e longos, existe
algo no ar que nos convida a sair e interagir. No entanto, em dias em que o
tempo está fechado e as temperaturas mais baixas, acontece o contrário, o
convite para hibernar e refletir. É uma oportunidade de reciclagem interna. É o
que estou tentando fazer nesses últimos dias de chuva, frio e quarentena: remastigando
emoções, cogitando possibilidades, requalificando dados. Preparando-me para ‘soltar esta louca e arder de
paixão’.