quinta-feira, 31 de maio de 2012


TEM DIAS QUE

Já deve ter acontecido contigo. Aquele dia em que ‘não estamos no nosso dia’. Os colegas notam se estamos mais ou menos falantes; mais ou menos humorados; mais ou menos produtivos. Mais assim ou mais assado que os outros dias. Se o marido, ou mulher puxa papo, apenas resumimos um: - ahã. Nosso olhar diz o resto.
Os filhos chegam da escola jogando calçados num canto, mochila noutro, trazendo para perto de nós toda energia que nos falta. Mas queremos sossego, estamos sem saco pra nada, nem para corrigi-los. Dá-se um ‘chega’ neles e só ouvimos a porta do quarto bater com força. Adolescentes têm por costume (ou má educação?) bater portas. Deve ser também por causa do vigor da juventude. Mas tem dias que temos a certeza que é por falta de algumas boas palmadas poupadas.
Para as mulheres, tais dias vêm agravados pela tensão pré-menstrual. Jesus me abana! Geralmente dizemos umas às outras:
- Quando estou ‘naqueles dias’ só quero comer coisa doce.
- Eu fico muito irritada.
Outras só choram, ou têm tudo junto:
- Como muito chocolate, choro, me irrito com todo mundo e também me dá dor-de-cabeça.
 Os maridos, namorados e similares, se dividem em dois grupos: os que entendem e os que não entendem suas mulheres.  Dentre os que não entendem, têm aqueles que se diferenciam com o infeliz comentário: “Que frescura! Minha mãe nunca se queixou disso”. Correm risco de lesões corporais sérias ou coisa pior.
Bom mesmo, nesses dias, é nem levantar. Se levantar, melhor não falar. Caso possível, passar o dia vagabundeando. Só fazer o que dá prazer! De preferência ficar só. Fazer uma longa viagem para o nosso interior. Um inventário de nós mesmos. Um arrolamento dos nossos bens finitos e infinitos, avaliando o que tem valido à pena nesta vida. O ‘espólio de cada um conforme suas ações’, poder-se-ia dizer.
Esta viagem íntima é muito positiva, mas pode ser perigosa. Bom, porque fazemos uma conjugação geral dos nossos verbos SER e ESTAR. Perigoso, porque geralmente só fazemos este tipo de análise ‘naqueles dias’.
Nesses dias o melhor a fazer é nos limitar à reflexão. Jamais decidir, para não incorrer em ações equivocadas que nos deixarão muito pior pelo resto dos nossos dias.  Para isso, dias melhores virão.

quarta-feira, 30 de maio de 2012


CHEIROS QUE MARCAM

Do perfume de alguém especial, até o cheiro de naftalina da casa da vovó. Todos os cheiros têm sua marca. Trazem uma lembrança à memória. Cheiros bons ou ruins. Não importa. Sentimos e lembramos.
Dos quatorze aos dezesseis anos morei numa casa de pensão que ficava próxima do colégio, onde cursei o ginásio. Passados trinta anos, lembro ainda do cheiro da roupa de cama limpa daquele lugar. O quarto ficava no sótão. Tinha uma pequena janela com vidraça, um espelhozinho onde só dava para ver meu rosto e cabelo. Uma mesinha com livros e outros apetrechos. A roupa era pendurada na parede. Uma cama com colchão e, só. Ali dormi os melhores sonos da minha vida. Sonhei o melhor tempo da adolescência. Toda segunda-feira a roupa de cama era trocada. Lençóis de cretone brancos. Um cheiro de sabão em pó especial. Talvez fosse a mesma marca dos que existem hoje no mercado. Mas nunca mais senti aquele mesmo odor. Não era só por causa do sabão, tinha a ver com a água pura da fonte, a relva onde a roupa ficava de molho com anil; o varal de arame que balançava com o vento, imprimindo nos tecidos os diversos aromas que trazia de longe. Aquilo tudo compunha uma fórmula química única que fazia muito bem aos meus nervos. Dava-me um sono bom.
Muitos cheiros depois, adulta, passei a usar um perfume chamado Almíscar Selvagem. Nossa, era demais! Sentia-me poderosa envolta daquele aroma.  Há poucos dias li na internet que tal fragrância provém de um animal almiscareiro, originário da Ásia. O animalzinho capturado fica até 15 anos na mesma posição, sendo manipulado apenas para retirada do líquido que produz o perfume, até que morra. Senti-me culpada de ter sido tão ecologicamente incorreta. Mas quem da minha geração não foi?
Usar sempre o mesmo perfume nos personifica. Ficamos ‘customizados’, na linguagem atual. O Poison, para mim, tem ‘cheiro de saudades’, como canta Zeca Pagodinho. Nunca esqueci a pessoa que usava. Não vou contar que é segredo. Mas Poison é uma palavra francesa que significa ‘veneno’.
Têm cheiros que são tristes. Épocas de finados, por exemplo, me faz lembrar cemitérios. E cemitério tem cheiro de lírios brancos com velas queimando. Lembrança de infância, enterros na vizinhança. Visitas aos parentes mortos. Todos os anos o mesmo cheiro. E assim ainda é. Não gosto. Fico enjoada.
 Prefiro os copos-de-leite, nas mesmas cores e beleza. Sem lembranças nem odores. E as Margaridas também, desde que sejam aquelas do campo.  

terça-feira, 29 de maio de 2012


LIMITADA

Espremida no banco traseiro de um coletivo lotado, olho pela janela com vontade de pular. O trajeto parece não ter fim. Quando chego ao ponto de descer, sinto-me exausta. Abro a porta da minha casa apertada e meu gato pardo mia sofridamente lamentando por comida. Psiu, psiu, faço pra ele! Ele enrosca nas minhas pernas, sem esconder certa indignação. Abro o armário... Acabou a ração. ‘Hoje tu come a sobra de arroz com leite’.
Uma barata raquítica sai do ralo da pia, associando-se ao prato do gato. Ele mete a pata sobre ela. Aperta a presa que se finge de morta pra salvar a pele. Quando ele afrouxa,  a  coitada foge veloz pra sua vidinha de esgoto.
Meu banho é curto pra economia de consumo e contribuição com um planeta sustentável. Me seco na sala. O banheiro é apertado demais para eu esfregar as costas com meus braços compridos e cansados. Meu cabelo tá fraco e ralo. Sempre foi assim e a tendência é piorar. Esquento leite no microondas, tomo com um sanduiche de pão e mortadela. Uma banana pra arrematar o jantar! A TV de quatorze polegadas não pega direito. Abro o notebook, minha mais cara e preciosa aquisição.
Em frente à tela, tenho o mundo ao meu alcance. E minha vida limitada, finalmente se expande.

segunda-feira, 28 de maio de 2012


DÚVIDAS PÚBLICAS

Procuro fazer a declaração do Imposto de Renda assim que disponível na internet, pra receber a restituição no primeiro lote.  Certa vez fiz tudo direitinho, mas quando chegou o momento da restituição, nada. Verifiquei no sistema e lá constava ‘pendência’. Como resultado, a devolução ficou trancada. Tive que me dirigir ao órgão competente para esclarecer os fatos e tirar as dúvidas. Até aí eu não sabia o que estava errado. Chegando à repartição, passei pelo guarda, depois cheguei ao local das senhas. A atendente pediu sobre o que se tratava. Abri a boca e minha fala travou. Como explicar se nem eu sabia? Arrisquei:
-        Quero falar sobre meu IR.
-        Falar do seu IR? O que tem seu IR?
-        Eu não sei, por isso estou aqui.
Ela me olhou com uma interrogação séria e muda no olhar.
-        Ele está com pendências.
-        Que pendências, senhora?
-        Eu vim aqui para saber.
-        Qual seu CPF?
Puxei o documento com o número. Ela emitiu uma senha e me encaminhou ao andar superior. Depois de longos minutos, aproveitados no rascunho desta dissertação e vendo Bob Esponja na tela de TV disponível na sala de espera, apareceu a minha senha no monitor. Chegando à mesa do fiscal, tentei novamente explicar o que eu queria. Mais uma vez não consegui me fazer entender.
- Tem uma pendência! No site diz que os dados apresentados não coincidem com a receita anual.  E puxei a papelada.
O rapaz examinou com cara de aborrecido. Eu, na expectativa de elucidação das minhas dúvidas. Algum tempo fuçando na tela do computador, tecla aqui, tecla acolá, aparece o ‘furo’:
-        A senhora preencheu os dados do exercício 2010 na Declaração de 2009, por isso aparece a incompatibilidade.
-        Ah tá. E o que faço?
-        A senhora deve fazer uma retificação, transportando os mesmos dados para a Declaração de 2010 e fazer a Declaração de 2009, mesmo que sejam apenas dois meses.
-        E como fica a restituição?
-        A sua restituição virá somente ano que vem. E tem mais duas multas.
-        Duas multas?
-        Uma por ter declarado errado na primeira vez e a outra porque agora, a de 2009, vai aparecer no sistema como ‘fora do prazo’.
-        Mas não tive culpa!
-        É, mas o sistema já registrou assim.
-        Não dá para mudar o sistema?
O rapaz me olhou meio atravessado.
-        Se tiver que pagar as multas, nem vou ter restituição.
Continuou me olhando do mesmo modo e nada disse, mas entendi um ‘não é problema meu’. Perguntou-me se era só isso e desta vez fui eu que fiquei calada, mas ele deve ter entendido meu olhar dizendo: ‘minhas dúvidas prevalecem e eu quero que o sistema resolva esta pendenga e me restitua o imposto retido, afinal o sistema não é problema meu’.
E ficamos ali, contribuinte de um lado, servidor do outro, com o sistema e as dúvidas entre nós.

PRELIMINARMENTE


Preliminarmente...

Faz quase vinte anos que recebi o diploma de bacharel em Direito. Faz também um bom tempo que esqueci minha carteira da OAB em uma gaveta qualquer da estante de madeira da minha biblioteca.
Mas ainda mantenho um vício adquirido nos sete anos do curso: começar um texto com o ‘preliminarmente’!
...
Inobstante as preliminares, resolvi criar este blog para postar meus textos literários já escritos, os que eu deveria ter escrito e aqueles que eu ainda deverei escrever.
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Confesso que tenho tido sérios bloqueios criativos. Culpo todo mundo por isso: marido, filho, casa, cozinha, plantas e até minha gata surda, gorda e branca que neste exato momento dorme atrás do meu notebook, ronronando num sono de causar inveja.  
...
Este espaço, a partir de hoje, será meu sacerdócio! Aqui vou relatar, através de crônicas, contos, pensamentos e poesias, atos e fatos desta minha vida ‘mais ou menos’. 
A Maia será testemunha! (Maia é o nome da minha gata).

Benvenuti amici e lettori!