CHEIROS QUE MARCAM
Do perfume de alguém especial, até o cheiro de naftalina da casa da vovó.
Todos os cheiros têm sua marca. Trazem uma lembrança à memória. Cheiros bons ou
ruins. Não importa. Sentimos e lembramos.
Dos quatorze aos dezesseis anos morei numa casa de pensão que ficava
próxima do colégio, onde cursei o ginásio. Passados trinta anos, lembro ainda
do cheiro da roupa de cama limpa daquele lugar. O quarto ficava no sótão. Tinha
uma pequena janela com vidraça, um espelhozinho onde só dava para ver meu rosto
e cabelo. Uma mesinha com livros e outros apetrechos. A roupa era pendurada na
parede. Uma cama com colchão e, só. Ali dormi os melhores sonos da minha vida.
Sonhei o melhor tempo da adolescência. Toda segunda-feira a roupa de cama era
trocada. Lençóis de cretone brancos. Um cheiro de sabão em pó especial. Talvez
fosse a mesma marca dos que existem hoje no mercado. Mas nunca mais senti
aquele mesmo odor. Não era só por causa do sabão, tinha a ver com a água pura
da fonte, a relva onde a roupa ficava de molho com anil; o varal de arame que
balançava com o vento, imprimindo nos tecidos os diversos aromas que trazia de
longe. Aquilo tudo compunha uma fórmula química única que fazia muito bem aos
meus nervos. Dava-me um sono bom.
Muitos cheiros depois, adulta, passei
a usar um perfume chamado Almíscar Selvagem. Nossa, era demais! Sentia-me
poderosa envolta daquele aroma. Há
poucos dias li na internet que tal fragrância provém de um animal almiscareiro,
originário da Ásia. O animalzinho capturado fica até 15 anos na mesma posição,
sendo manipulado apenas para retirada do líquido que produz o perfume, até que
morra. Senti-me culpada de ter sido tão ecologicamente incorreta. Mas quem da
minha geração não foi?
Usar sempre o mesmo perfume nos personifica. Ficamos ‘customizados’, na
linguagem atual. O Poison, para mim, tem ‘cheiro de saudades’, como canta Zeca
Pagodinho. Nunca esqueci a pessoa que usava. Não vou contar que é segredo. Mas
Poison é uma palavra francesa que significa ‘veneno’.
Têm cheiros que são tristes. Épocas de finados, por exemplo, me faz lembrar
cemitérios. E cemitério tem cheiro de lírios brancos com velas queimando.
Lembrança de infância, enterros na vizinhança. Visitas aos parentes mortos.
Todos os anos o mesmo cheiro. E assim ainda é. Não gosto. Fico enjoada.
Prefiro os copos-de-leite, nas
mesmas cores e beleza. Sem lembranças nem odores. E as Margaridas também, desde
que sejam aquelas do campo.
Lindo teu texto, Dena !
ResponderExcluirObrigada pela presença e carinho, querida Elis!
ExcluirDenamada, adoro tuas letras,já te falei. Conheces a palavra e a dominas c/maestria. Esta coisa de som,cheiros e sabores incrustado na alma da gente,é um estado de alma. De alma inquieta, capaz de transformar a existência em poesia e a poesia em lugar sagrado.É esta saudade q habita em nós e alimenta nossos desejos e temores.Avante,amiga,passarei aqui mais vezes, para me embriagar.bj.
ResponderExcluirObrigada, Zairamada, pela visita e carinho!
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