quarta-feira, 30 de maio de 2012


CHEIROS QUE MARCAM

Do perfume de alguém especial, até o cheiro de naftalina da casa da vovó. Todos os cheiros têm sua marca. Trazem uma lembrança à memória. Cheiros bons ou ruins. Não importa. Sentimos e lembramos.
Dos quatorze aos dezesseis anos morei numa casa de pensão que ficava próxima do colégio, onde cursei o ginásio. Passados trinta anos, lembro ainda do cheiro da roupa de cama limpa daquele lugar. O quarto ficava no sótão. Tinha uma pequena janela com vidraça, um espelhozinho onde só dava para ver meu rosto e cabelo. Uma mesinha com livros e outros apetrechos. A roupa era pendurada na parede. Uma cama com colchão e, só. Ali dormi os melhores sonos da minha vida. Sonhei o melhor tempo da adolescência. Toda segunda-feira a roupa de cama era trocada. Lençóis de cretone brancos. Um cheiro de sabão em pó especial. Talvez fosse a mesma marca dos que existem hoje no mercado. Mas nunca mais senti aquele mesmo odor. Não era só por causa do sabão, tinha a ver com a água pura da fonte, a relva onde a roupa ficava de molho com anil; o varal de arame que balançava com o vento, imprimindo nos tecidos os diversos aromas que trazia de longe. Aquilo tudo compunha uma fórmula química única que fazia muito bem aos meus nervos. Dava-me um sono bom.
Muitos cheiros depois, adulta, passei a usar um perfume chamado Almíscar Selvagem. Nossa, era demais! Sentia-me poderosa envolta daquele aroma.  Há poucos dias li na internet que tal fragrância provém de um animal almiscareiro, originário da Ásia. O animalzinho capturado fica até 15 anos na mesma posição, sendo manipulado apenas para retirada do líquido que produz o perfume, até que morra. Senti-me culpada de ter sido tão ecologicamente incorreta. Mas quem da minha geração não foi?
Usar sempre o mesmo perfume nos personifica. Ficamos ‘customizados’, na linguagem atual. O Poison, para mim, tem ‘cheiro de saudades’, como canta Zeca Pagodinho. Nunca esqueci a pessoa que usava. Não vou contar que é segredo. Mas Poison é uma palavra francesa que significa ‘veneno’.
Têm cheiros que são tristes. Épocas de finados, por exemplo, me faz lembrar cemitérios. E cemitério tem cheiro de lírios brancos com velas queimando. Lembrança de infância, enterros na vizinhança. Visitas aos parentes mortos. Todos os anos o mesmo cheiro. E assim ainda é. Não gosto. Fico enjoada.
 Prefiro os copos-de-leite, nas mesmas cores e beleza. Sem lembranças nem odores. E as Margaridas também, desde que sejam aquelas do campo.  

4 comentários:

  1. Denamada, adoro tuas letras,já te falei. Conheces a palavra e a dominas c/maestria. Esta coisa de som,cheiros e sabores incrustado na alma da gente,é um estado de alma. De alma inquieta, capaz de transformar a existência em poesia e a poesia em lugar sagrado.É esta saudade q habita em nós e alimenta nossos desejos e temores.Avante,amiga,passarei aqui mais vezes, para me embriagar.bj.

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