sexta-feira, 14 de agosto de 2015

DONA DE MIM

Saí de casa como quem deixa o cárcere, após um bom tempo de sentença transitada em julgado, cumprida. Peguei a estrada no meu Ford Sedan. Chovia muito. Fui indo nos oitenta por hora, mesmo quando a máxima permitida era cem. Queria aproveitar aquela liberdade soberana que me dominava. Liberdade e solitude, o par perfeito que tanta falta me faz.
Estar sozinha, sem ninguém ao redor, falando, chamando, pedindo, exigindo...passou a ser uma necessidade básica. Essencial para minha mente inquieta e cansada, de noites mal dormidas, carências não providas, exigências permanentes de um bando de entes, precisados e dependentes da minha presença e atenção. Assim mesmo, muitos ‘entes’!
Cheguei no destino às quatorze horas, louca de fome. O Xis do Carmelito, com uma Coca-Cola era meu maior sonho de consumo naquela momento.  Instante longamente desejado. Porém, era véspera de feriado e a lancheria estava fechada. Me bandeei para outro lado, segunda opção: Ilha do Pastel. Sentei numa mesa com poltronas fofas. De mão no cardápio, fui direta ao assunto: - quero um pastel, recheado com iscas de filé e queijo gorgonzola, gratinado, com uma Coca-Cola. O prato logo desceu à mesa. Um pastel gigante, super-recheado, acompanhado de uma montanha de batatas fritas crocantes e salada. Assustei-me, não esperava tanto. Me pus a comer, sorvendo aqueles sabores, teti-a-teti, inclusive fechando os olhos pra sentir mais o gosto. Pensei que não daria conta mas...limpei o prato. Arrematei com a lata de refrigerante.

Depois veio aquele soninho pós digestão. Eu fiquei ali, sentada na poltrona, sozinha, ouvindo algumas vozes, ruídos distantes. Ninguém perto, necessitando comparência. Era a glória, a salvação, quase um estado de graça, sentir-me assim. Única dona de mim. 

sábado, 18 de julho de 2015

SACO CHEIO



Os dias têm sido tão iguais. Ao mesmo tempo tão cheios de pequenas coisas e pessoas miúdas, fuinhas, mesquinhas... picuinhas. Há tantas formas entusiastas de se viver. E ficamos igual ao cão alucinado atrás do rabo. Pega daqui, pega de lá, faz isso, faz aquilo. Ao final, escabelados, nada se concretiza, exceto as lidas banais, invisíveis para os olhos orgulhosos e egoístas dos narcisísticos que nos rodeiam. Dá uma vontade de fugir de casa. Zarpar para qualquer lugar, onde se possa ler e escrever sem barulho, sem o compromisso do almoço, da casa limpa, da roupa lavada. Evadir-se vida afora, sem dependentes e carentes que nos alcancem. Perder-se da vista.
Sinto urgência em tomar uma atitude severa com esta salmodia. Saudade e falta de extravagâncias; de caprichar com minhas singularidades. Esquivar-me destes enquadramentos sociais, morais, que não são legais e ainda engordam. Esvaziar esta arca de bugigangas que, definitivamente, não me pertence: quimeras, expectações, porvir que nunca vem. Planos, estratégias infinitas, esperas com resultados esmorecidos, abortados. Tanto empenho, tanta luta, tanto amor, para efeitos inoperantes, frustrantes.
Estar de saco cheio é meu direito, é consideração comigo mesma.
E para não ouvir dizer que é tudo culpa minha, escapo pelada, sem levar nem deixar nada. Só restará a saudade de mim.