sexta-feira, 21 de abril de 2017

ATALHOS

Às vezes saio a caminhar. Normalmente no mesmo trecho. Mas tem dias que enjoo do trajeto. Daí mudo a rota. Percorro outro itinerário, que me mostre casas, calçadas, jardins e árvores diferentes. Meu olhar e percepções requisitam novas paisagens e sensações. 
Mudar de percurso me traz breve deleite. Uma sensação de novidade, atualização de consciência; efêmero sentimento de inovação.
Tem dias que pego atalhos. Vou cortando ruas, reduzindo caminhos para acelerar meu destino. Mas quando alcanço o final me arrependo por ter me poupado as pernas e ter reduzido a possibilidade de mais cenários. Sento na grama orvalhada da praça, tiro o tênis e forço meus pés contra a terra – necessidade de me arraigar! Dobro minhas costas e deito para sentir por inteiro a sensação de firmeza e ao mesmo tempo liberdade. Sou terra, chão, sol e ar!
Esta necessidade de me harmonizar com a natureza tem me importunado um bocado. O tumulto urbano, a poluição sonora e visual, o asfalto, as construções... Tudo perdeu a graça. Tenho evitado as mecas de consumo porque não mais me bastam: lugares improfícuos onde os passeios me cansam, os bolsos se esvaziam e o corpo engorda. O verde é meu princípio vital. Faz-me falta olhar a chuva ostentando sua presença sobre as montanhas ao longe, aproximando-se devagar, sem urgências, mas consistente no seu propósito de beijar meu rosto e molhar meus pés. Quero resgatar minha gênese. Preciso me buscar na zona em que me extraviei. Foram tantos anos e planos: amores iniciados, outros mal resolvidos; filhos concebidos e paridos; poemas inacabados, palavras mal pronunciadas, versos não construídos; livros abortados, leituras interrompidas; rascunhos rasgados; noites mal dormidas, remédios ingeridos... Entre outros muitos ‘idos’!

Agora o tempo é breve, vertem líquidos os meus dias. Os prazos de validade vão-se vencendo e se eu não aligeirar meus passos, me atrapalho e perco as horas. Todas as demandas pedem urgência. Dobro os joelhos, subo meu corpo. Calço o tênis e me coloco em pé num único impulso. Caminhar é preciso, mas não há mais intervalos para abstrações. Hoje escapo de passagens tortuosas, evito impasses, encurto distâncias, sigo atalhos.

sexta-feira, 24 de março de 2017

E POR FALAR EM SAUDADE

A palavra saudade é oriunda do latim "solitas, solitatis"  - solidão. É uma das palavras mais utilizadas nas poesias de amor, nas músicas românticas da língua portuguesa. Ela não tem tradução literal em muitas línguas. Significa o sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à ausência de experiências prazerosas. Segundo a lenda, a saudade surgiu no período dos descobrimentos e definia a solidão que os portugueses vindos para o Brasil tinham da sua terra e dos seus familiares. Eram atacados por uma melancolia por se sentirem tão sós e distantes dos seus.
A saudade é uma incongruência: ao mesmo tempo em que aperta o nosso coração, preenche ele de amor. Ao sentir saudade revivemos sensações e sentimentos. Por meio dela, nos conectamos com todo um passado já vivido e também um futuro que ficou por viver.
No início, a saudade vem acompanhada de muita dor. Ela de fato tiraniza o nosso coração, penaliza a alma. Como disse nosso ‘poeta das coisas simples’: Eu agora – que desfecho! Já nem penso mais em ti... Mas será que nunca deixo de lembrar que te esqueci!
Eu já engoli muitas saudades. Bebi desta aguardente mais do que queria e devia, mas não menos que o necessário para aprender a lidar com a danada. Hoje até olho para ela com um pouco de gratidão.  Fui compreendendo que ela é o vínculo com quem não está mais perto de mim fisicamente e experimentá-la é gozar todo amor que ficou e que nunca irá me separar desse objeto.  
E pra terminar, ‘saudade é nossa alma querendo dizer para onde ela quer voltar’.