sábado, 31 de agosto de 2019


SOB PROTESTO

Num dia desses, amanheci com cinquenta anos. A partir daí minha vida nunca mais foi a mesma. Tudo foi acontecendo de forma gradual, a pele menos vistosa, exibindo marcas do tempo; a testa branqueou de forma meteórica e o afinamento da fibra capilar causado pela diminuição da elastina e do colágeno é a prova cabal que os cabelos também envelheceram, um tanto pela genética, outro pelas tribulações passadas vida afora. Os músculos perderam boa parte da tenacidade e se não os exercitar depauperam de vez. As rugas no rosto e colo são o irrefutável indício da eminente derrocada. Junto da falência ovariana os fogachos se instalaram sem trégua e a sudorese noturna, unida com a insônia, abraçaram-se em mim com asas de morcego. 
Depois desse impacto, a passagem dos anos parece que transcorre muito mais rápida que antes e a evidência da finitude torna-se deliberante.   Busquei socorro na terapia, medicamentos, chás, hobbies... todas alternativas válidas, mas não existe cura para a velhice. Mesmo mantendo a alimentação manejada, ganhei quilos que nunca foram meus, e não sei para quem devolver. Logo eu, que sempre tive um apetite apurado e um metabolismo veloz, agora até cheirar a comida me engorda. A cintura sumiu e os clássicos ‘pneus’ instalaram-se com escritura de posse definitiva, sem direito à contestação. Não, não tenho dinheiro e nem coragem para impetrar recurso de procedimentos estético-cirúrgicos.   Esta é a veracidade dos fatos!
Por outro lado, há vantagens em envelhecer, afinal é a continuidade da vida, com mais experiência e tolerância. Atualmente, com avanços na ciência, novas tecnologias e programas voltados ao público longevo criaram-se boas expectativas. Atividades socioinclusivas de lazer, desportos e voluntariado, e outros tantos programas voltados para a terceira idade, faz a turma idosa ser mais feliz e saudável. Mas não posso concordar com as assertivas hipócritas como ‘a melhor idade’, ‘a beleza da velhice’.  Essa experiência vital até pode ter um conceito interessante, talvez bela. De resto onde encontrar beleza na velhice? Na incontinência urinária? Na hiperplasia prostática? Na míngua capilar? Nas manchas escuras nas mãos e nas irrupções cutâneas? No meu entendimento pessimista, lógico, esses termos além de hipócritas são paliativos para nos enganar e não morrer de tédio. A única vantagem de envelhecer é que não morremos cedo, mas de resto é só ladeira abaixo, sem volta.
E mais, o que fazer com a experiência e sabedoria adquirida vida afora? Passar para os filhos e netos? Eles só vão valorizar quando e se experimentarem a própria velhice! Isso sem falar que a memória pode nos trair e nem lembramos das vivências experimentadas.
Quero me dar o direito de contraditar a velhice e todas as alegações paliativas e politicamente corretas que os modernos encontraram para suavizar sua implacável verdade.  Como diz a Zaira, uma amiga querida, “ENVELHEÇO SOB PROTESTO”.

sexta-feira, 19 de julho de 2019


MUDANDO TRAJETOS

Há tempos que faço minhas caminhadas e corridas na mesma pista da praça do meu bairro, ou então na beira do Guaíba.  Quando fico no Rio de Janeiro, na região dos Lagos, faço na Orla do lado direito da lagoa Araruama e quando estou no Rio capital, no calçadão de Copacabana. Sempre o mesmo trajeto, quase que diariamente nos mesmos horários.
Comecei a perceber que até os pensamentos se reiteram durante o exercício. São quarenta a sessenta minutos por dia, em que algo a mais se repete na minha vida. Não basta o cotidiano para o qual as circunstâncias da vida me empurraram, eu persisto com outras recorrências.
Numa dessas manhãs quaisquer de inverno, com um sol gostoso e um vento leve balançando as águas da lagoa, eu mudei o rumo. Ao invés de seguir o caminho à direita da Praça das Águas, rumei à esquerda, por uma estrada de areia, sem calçamento, estreita entre os muros dos fundos das casas acima e a lagoa, abaixo. Notei que aquele trajeto tinha menos barulho de carros e pessoas, e eu podia ouvir a entonação formada pelas ondas das águas tocadas pelo vento. E fui indo, levada por aquele clima de mansidão. Minha mente serenou e os pensamentos teimosos que me perseguem há tempos, de certa forma se diluíram ar afora.
Uma sensação de renovamento me tomou a alma. Vi novas paisagens, novos sons e cheiros. Consequentemente os sentimentos também se transformaram. Foi uma manhã diferente porque assim eu a fiz.
Quando nossa vida anda meio sem motivação, sem novos desenhos, é bom a gente mudar a direção, dos passos, do olhar, dos sentidos. Talvez você se surpreenda com as novas impressões.  

sábado, 29 de junho de 2019


AMPARO

Do Latim ‘anteparus’, preparar antes, dispor de antemão. Termo formado por ANTE, ‘antes, à frente’, mais PARARE, aprontar, munir-se do que é necessário. Esta é a origem da palavra AMPARO, cujo significado é: apoio, proteção, abrigo, benefício, defesa, escora, socorro.
Feita a definição, escrevo o porquê resolvi dissertar sobre esta palavra, ou este tema. Há dois anos meu único filho saiu de casa, no molde americano, com apenas dezoito anos, foi voar com as próprias asas, como bom filhote de águia que é. Daí quem passou a voar do ninho fui eu, que seguidamente vou visitá-lo e fico uns tempos na casa dele. Nesses momentos que ficamos juntos, seguidamente ele me abraça forte e expressa em alto e bom tom: ‘mãe, como é bom ter a senhora aqui, me sinto tão amparado’. E foi assim, que a palavra amparo passou a ter espaço na minha memória de uma forma relevante, assim como é sua raiz e conceito.
Quando eu soube pela boca do meu filho que eu para ele significo ‘amparo’, senti-me muito mais vívida do que normalmente penso que sou. A palavra é tão concreta, que parece feita de cimento. Afinal, quando se é o arrimo de alguém, a responsabilidade de ser uma fortaleza aumenta.
E assim como eu, imagino que a maioria das mães simbolizam o mesmo para seus filhos. É no nosso amparo que eles buscam ânimo e coragem. No calor do nosso abraço é que eles aquecem a alma cheia de dúvidas; na certeza das nossas palavras é que eles encontram a direção; no nosso olhar seguro, eles buscam anuência para a caminhada. E quando tudo pode estar dando errado, é no nosso ombro que eles deixam escorrer as lágrimas mais salgadas e doídas. E lá estamos nós, sempre de esteio, com o coração estraçalhado de dó, mas com as palavras exatas que eles precisam ouvir. Quando estão precisados de aconchego, o nosso colo é o oásis onde descansam a cabeça, e nossos dedos desgrenham seus cabelos, até o último fio. As horas se distraem e o tempo perde o significado, porque nesses momentos, para as mães, só o que importa é aquietar, acalmar, aconchegar, amparar, amar!