sexta-feira, 4 de outubro de 2019


VIZINHOS
Com os ventos da primavera, as poucas folhas e galhos secos que o inverno deixou nas árvores, caem e se esparramam. Hoje, ao sair pra caminhar, vi minha vizinha varrendo o pátio, juntando as folhas e poeira da calçada. Parei pra cumprimentá-la. Afinal é minha vizinha de frente, mas passamos semanas, até mesmo meses sem nos ver.
A compreensão de vizinho mudou nas últimas décadas. Na minha infância, no interior do estado, nosso primeiro vizinho morava a um quilômetro de distância. E a gente se visitava semanalmente. Muitas vezes mais de uma vez por semana, de dia ou de noite. Quando se precisava de alguma coisa emprestada, podia ser uma xícara de arroz, um pouco de farinha, erva para o chimarrão... sempre tinha o vizinho para socorrer. Quando uma das famílias abatia um animal, compartilhava um pouco da carne com os próximos, porque não se tinha refrigerador e, portanto, não se tinha como armazenar produtos perecíveis. O vizinho, obrigatoriamente, tinha que ser o melhor amigo. Ter contendas com os vizinhos estava fora de cogitação, pois sem telefone, sem condução, o primeiro vizinho era sempre a melhor opção.
Hoje, principalmente nos centros urbanos, vizinhos nem se conhecem. Cada um no seu trabalho, na sua casa, nas suas miudezas. E a amizade, a cordialidade, solidariedade, cara a cara, porta a porta, resta minguada. Meu outro vizinho me passou seu contato das redes sociais e é por esse canal que nos comunicamos, eventualmente, às vezes apenas por ‘emojis’ ou ‘emoticons’.   Seria bem mais amigável e civilizado eu ou ele atravessar a rua e conversar no portão, fosse para assuntar sobre o resto da vizinhança, ou saber como está a saúde um do outro.
 Pois é, não se fazem mais vizinhos como antigamente!

sábado, 31 de agosto de 2019


SOB PROTESTO

Num dia desses, amanheci com cinquenta anos. A partir daí minha vida nunca mais foi a mesma. Tudo foi acontecendo de forma gradual, a pele menos vistosa, exibindo marcas do tempo; a testa branqueou de forma meteórica e o afinamento da fibra capilar causado pela diminuição da elastina e do colágeno é a prova cabal que os cabelos também envelheceram, um tanto pela genética, outro pelas tribulações passadas vida afora. Os músculos perderam boa parte da tenacidade e se não os exercitar depauperam de vez. As rugas no rosto e colo são o irrefutável indício da eminente derrocada. Junto da falência ovariana os fogachos se instalaram sem trégua e a sudorese noturna, unida com a insônia, abraçaram-se em mim com asas de morcego. 
Depois desse impacto, a passagem dos anos parece que transcorre muito mais rápida que antes e a evidência da finitude torna-se deliberante.   Busquei socorro na terapia, medicamentos, chás, hobbies... todas alternativas válidas, mas não existe cura para a velhice. Mesmo mantendo a alimentação manejada, ganhei quilos que nunca foram meus, e não sei para quem devolver. Logo eu, que sempre tive um apetite apurado e um metabolismo veloz, agora até cheirar a comida me engorda. A cintura sumiu e os clássicos ‘pneus’ instalaram-se com escritura de posse definitiva, sem direito à contestação. Não, não tenho dinheiro e nem coragem para impetrar recurso de procedimentos estético-cirúrgicos.   Esta é a veracidade dos fatos!
Por outro lado, há vantagens em envelhecer, afinal é a continuidade da vida, com mais experiência e tolerância. Atualmente, com avanços na ciência, novas tecnologias e programas voltados ao público longevo criaram-se boas expectativas. Atividades socioinclusivas de lazer, desportos e voluntariado, e outros tantos programas voltados para a terceira idade, faz a turma idosa ser mais feliz e saudável. Mas não posso concordar com as assertivas hipócritas como ‘a melhor idade’, ‘a beleza da velhice’.  Essa experiência vital até pode ter um conceito interessante, talvez bela. De resto onde encontrar beleza na velhice? Na incontinência urinária? Na hiperplasia prostática? Na míngua capilar? Nas manchas escuras nas mãos e nas irrupções cutâneas? No meu entendimento pessimista, lógico, esses termos além de hipócritas são paliativos para nos enganar e não morrer de tédio. A única vantagem de envelhecer é que não morremos cedo, mas de resto é só ladeira abaixo, sem volta.
E mais, o que fazer com a experiência e sabedoria adquirida vida afora? Passar para os filhos e netos? Eles só vão valorizar quando e se experimentarem a própria velhice! Isso sem falar que a memória pode nos trair e nem lembramos das vivências experimentadas.
Quero me dar o direito de contraditar a velhice e todas as alegações paliativas e politicamente corretas que os modernos encontraram para suavizar sua implacável verdade.  Como diz a Zaira, uma amiga querida, “ENVELHEÇO SOB PROTESTO”.

sexta-feira, 19 de julho de 2019


MUDANDO TRAJETOS

Há tempos que faço minhas caminhadas e corridas na mesma pista da praça do meu bairro, ou então na beira do Guaíba.  Quando fico no Rio de Janeiro, na região dos Lagos, faço na Orla do lado direito da lagoa Araruama e quando estou no Rio capital, no calçadão de Copacabana. Sempre o mesmo trajeto, quase que diariamente nos mesmos horários.
Comecei a perceber que até os pensamentos se reiteram durante o exercício. São quarenta a sessenta minutos por dia, em que algo a mais se repete na minha vida. Não basta o cotidiano para o qual as circunstâncias da vida me empurraram, eu persisto com outras recorrências.
Numa dessas manhãs quaisquer de inverno, com um sol gostoso e um vento leve balançando as águas da lagoa, eu mudei o rumo. Ao invés de seguir o caminho à direita da Praça das Águas, rumei à esquerda, por uma estrada de areia, sem calçamento, estreita entre os muros dos fundos das casas acima e a lagoa, abaixo. Notei que aquele trajeto tinha menos barulho de carros e pessoas, e eu podia ouvir a entonação formada pelas ondas das águas tocadas pelo vento. E fui indo, levada por aquele clima de mansidão. Minha mente serenou e os pensamentos teimosos que me perseguem há tempos, de certa forma se diluíram ar afora.
Uma sensação de renovamento me tomou a alma. Vi novas paisagens, novos sons e cheiros. Consequentemente os sentimentos também se transformaram. Foi uma manhã diferente porque assim eu a fiz.
Quando nossa vida anda meio sem motivação, sem novos desenhos, é bom a gente mudar a direção, dos passos, do olhar, dos sentidos. Talvez você se surpreenda com as novas impressões.