sexta-feira, 25 de outubro de 2019


AMIGAS

Os velhos clichês ‘amigos de verdade a gente conta nos dedos’ ou, ‘quem tem um amigo nunca está só’, são realmente insuspeitos. Nós, mulheres, sempre temos aquela amiga única, autêntica e verdadeira. A amiga com quem compartilhamos nossas mais próprias intimidades. É ela que nos recebe no meio da tarde, num encontrinho rápido, mas com tempo suficiente para ouvir desabafos recíprocos, trocar risos e lágrimas, entre um e outro cafezinho. Ela é especial para nós, é mais que cúmplice, é terapeuta, conselheira, curandeira...
Quando se trata de falar da família e dos filhos, é com ela que barganhamos queixas e distribuímos elogios, assim como se fala da cor do cabelo; da unha que não deu tempo de fazer; da última base com filtro solar que além de boa textura, está no mercado com preço popular, das dores e das rugas. Conversamos também sobre os quilinhos a mais e das múltiplas e fundamentais manobras para se equilibrar na balança. Trocamos receitinhas de comida fitness, e ao mesmo tempo dividimos um chocolate meio amargo junto com o café, afinal ninguém é de ferro, além do mais chocolate é bom para o coração!
E o melhor de tudo, é que esta amiga fiel e autêntica chega na nossa vida de modo extemporâneo. Ela pode surgir no trabalho, num encontro de mães ou numa festa do colégio dos filhos, num jantar de negócios, nas redes sociais, na academia...
Se você precisa fazer aquele exame médico ou cirurgia que exige um acompanhante, e não tem nenhum familiar disponível, pode acreditar, a amiga não irá falhar. Estará na escolta desde a chegada até a saída.
O relacionamento entre amigas é sentimento profundo de lealdade, reciprocidade e proteção. São aqueles anjos que nos deixam em pé quando nossas asas têm problemas em se lembrar do voar. Tornam nossas vidas mais brilhantes e felizes.  E quando estivermos bem velhinhas, sem mais nenhuma ‘utilidade’, a verdadeira e única amiga estará lá, até o fim.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019


VIZINHOS
Com os ventos da primavera, as poucas folhas e galhos secos que o inverno deixou nas árvores, caem e se esparramam. Hoje, ao sair pra caminhar, vi minha vizinha varrendo o pátio, juntando as folhas e poeira da calçada. Parei pra cumprimentá-la. Afinal é minha vizinha de frente, mas passamos semanas, até mesmo meses sem nos ver.
A compreensão de vizinho mudou nas últimas décadas. Na minha infância, no interior do estado, nosso primeiro vizinho morava a um quilômetro de distância. E a gente se visitava semanalmente. Muitas vezes mais de uma vez por semana, de dia ou de noite. Quando se precisava de alguma coisa emprestada, podia ser uma xícara de arroz, um pouco de farinha, erva para o chimarrão... sempre tinha o vizinho para socorrer. Quando uma das famílias abatia um animal, compartilhava um pouco da carne com os próximos, porque não se tinha refrigerador e, portanto, não se tinha como armazenar produtos perecíveis. O vizinho, obrigatoriamente, tinha que ser o melhor amigo. Ter contendas com os vizinhos estava fora de cogitação, pois sem telefone, sem condução, o primeiro vizinho era sempre a melhor opção.
Hoje, principalmente nos centros urbanos, vizinhos nem se conhecem. Cada um no seu trabalho, na sua casa, nas suas miudezas. E a amizade, a cordialidade, solidariedade, cara a cara, porta a porta, resta minguada. Meu outro vizinho me passou seu contato das redes sociais e é por esse canal que nos comunicamos, eventualmente, às vezes apenas por ‘emojis’ ou ‘emoticons’.   Seria bem mais amigável e civilizado eu ou ele atravessar a rua e conversar no portão, fosse para assuntar sobre o resto da vizinhança, ou saber como está a saúde um do outro.
 Pois é, não se fazem mais vizinhos como antigamente!

sábado, 31 de agosto de 2019


SOB PROTESTO

Num dia desses, amanheci com cinquenta anos. A partir daí minha vida nunca mais foi a mesma. Tudo foi acontecendo de forma gradual, a pele menos vistosa, exibindo marcas do tempo; a testa branqueou de forma meteórica e o afinamento da fibra capilar causado pela diminuição da elastina e do colágeno é a prova cabal que os cabelos também envelheceram, um tanto pela genética, outro pelas tribulações passadas vida afora. Os músculos perderam boa parte da tenacidade e se não os exercitar depauperam de vez. As rugas no rosto e colo são o irrefutável indício da eminente derrocada. Junto da falência ovariana os fogachos se instalaram sem trégua e a sudorese noturna, unida com a insônia, abraçaram-se em mim com asas de morcego. 
Depois desse impacto, a passagem dos anos parece que transcorre muito mais rápida que antes e a evidência da finitude torna-se deliberante.   Busquei socorro na terapia, medicamentos, chás, hobbies... todas alternativas válidas, mas não existe cura para a velhice. Mesmo mantendo a alimentação manejada, ganhei quilos que nunca foram meus, e não sei para quem devolver. Logo eu, que sempre tive um apetite apurado e um metabolismo veloz, agora até cheirar a comida me engorda. A cintura sumiu e os clássicos ‘pneus’ instalaram-se com escritura de posse definitiva, sem direito à contestação. Não, não tenho dinheiro e nem coragem para impetrar recurso de procedimentos estético-cirúrgicos.   Esta é a veracidade dos fatos!
Por outro lado, há vantagens em envelhecer, afinal é a continuidade da vida, com mais experiência e tolerância. Atualmente, com avanços na ciência, novas tecnologias e programas voltados ao público longevo criaram-se boas expectativas. Atividades socioinclusivas de lazer, desportos e voluntariado, e outros tantos programas voltados para a terceira idade, faz a turma idosa ser mais feliz e saudável. Mas não posso concordar com as assertivas hipócritas como ‘a melhor idade’, ‘a beleza da velhice’.  Essa experiência vital até pode ter um conceito interessante, talvez bela. De resto onde encontrar beleza na velhice? Na incontinência urinária? Na hiperplasia prostática? Na míngua capilar? Nas manchas escuras nas mãos e nas irrupções cutâneas? No meu entendimento pessimista, lógico, esses termos além de hipócritas são paliativos para nos enganar e não morrer de tédio. A única vantagem de envelhecer é que não morremos cedo, mas de resto é só ladeira abaixo, sem volta.
E mais, o que fazer com a experiência e sabedoria adquirida vida afora? Passar para os filhos e netos? Eles só vão valorizar quando e se experimentarem a própria velhice! Isso sem falar que a memória pode nos trair e nem lembramos das vivências experimentadas.
Quero me dar o direito de contraditar a velhice e todas as alegações paliativas e politicamente corretas que os modernos encontraram para suavizar sua implacável verdade.  Como diz a Zaira, uma amiga querida, “ENVELHEÇO SOB PROTESTO”.