quarta-feira, 6 de novembro de 2019


SINTONIA

No meu bairro tem muitas árvores frondosas, especialmente na praça, que não é apenas uma pracinha com brinquedos para crianças. É bem mais! Tem uma pista de caminhada ou corrida de duzentos metros, muito gramado e árvores antigas de várias espécies, como o ipê roxo e o amarelo. Diariamente é neste local que faço caminhadas e meditações. Assim como eu, várias pessoas por ali circulam, caminhando, correndo, levando seus pets para passear, ou simplesmente sentados num banco tomando chimarrão ou sol, lendo, conversando.
Também há várias espécies de pássaros: bandos de caturritas, sabiás, bem-te-vis, rolinhas, que seguidamente voam dos galhos para comer minhoquinhas e outras guloseimas que se encontram entre as gramas.  São mansinhos e nem se importam com as pessoas e cães que ali transitam. Minhas caminhadas são o impulso que necessito para enfrentar os dias e suas contingências. É através do suor que alivio minhas inquietações.
É um alento ouvir os pássaros gorjeando, as árvores balançando e também as formigas, sim, as formigas, sempre na labuta. Cuido para não pisar nelas quando estão em trilhas, carregadas de folhas e gravetos, atravessando a pista.
Será que todos que ali circulam percebem essas delícias que a natureza nos proporciona? Acredito que sim, que todas as pessoas se sentem gratificadas com a exuberância e simplicidade que esse espaço nos proporciona. E num ataque de felicidade qualquer, abraço uma árvore, sinto seu cheiro peculiar, sua espessura nas minhas bochechas, sem me importar de alguém me achar desvairada. São meus devaneios simbólicos, minha expressão de sintonia e correspondência com o universo.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019


AMIGAS

Os velhos clichês ‘amigos de verdade a gente conta nos dedos’ ou, ‘quem tem um amigo nunca está só’, são realmente insuspeitos. Nós, mulheres, sempre temos aquela amiga única, autêntica e verdadeira. A amiga com quem compartilhamos nossas mais próprias intimidades. É ela que nos recebe no meio da tarde, num encontrinho rápido, mas com tempo suficiente para ouvir desabafos recíprocos, trocar risos e lágrimas, entre um e outro cafezinho. Ela é especial para nós, é mais que cúmplice, é terapeuta, conselheira, curandeira...
Quando se trata de falar da família e dos filhos, é com ela que barganhamos queixas e distribuímos elogios, assim como se fala da cor do cabelo; da unha que não deu tempo de fazer; da última base com filtro solar que além de boa textura, está no mercado com preço popular, das dores e das rugas. Conversamos também sobre os quilinhos a mais e das múltiplas e fundamentais manobras para se equilibrar na balança. Trocamos receitinhas de comida fitness, e ao mesmo tempo dividimos um chocolate meio amargo junto com o café, afinal ninguém é de ferro, além do mais chocolate é bom para o coração!
E o melhor de tudo, é que esta amiga fiel e autêntica chega na nossa vida de modo extemporâneo. Ela pode surgir no trabalho, num encontro de mães ou numa festa do colégio dos filhos, num jantar de negócios, nas redes sociais, na academia...
Se você precisa fazer aquele exame médico ou cirurgia que exige um acompanhante, e não tem nenhum familiar disponível, pode acreditar, a amiga não irá falhar. Estará na escolta desde a chegada até a saída.
O relacionamento entre amigas é sentimento profundo de lealdade, reciprocidade e proteção. São aqueles anjos que nos deixam em pé quando nossas asas têm problemas em se lembrar do voar. Tornam nossas vidas mais brilhantes e felizes.  E quando estivermos bem velhinhas, sem mais nenhuma ‘utilidade’, a verdadeira e única amiga estará lá, até o fim.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019


VIZINHOS
Com os ventos da primavera, as poucas folhas e galhos secos que o inverno deixou nas árvores, caem e se esparramam. Hoje, ao sair pra caminhar, vi minha vizinha varrendo o pátio, juntando as folhas e poeira da calçada. Parei pra cumprimentá-la. Afinal é minha vizinha de frente, mas passamos semanas, até mesmo meses sem nos ver.
A compreensão de vizinho mudou nas últimas décadas. Na minha infância, no interior do estado, nosso primeiro vizinho morava a um quilômetro de distância. E a gente se visitava semanalmente. Muitas vezes mais de uma vez por semana, de dia ou de noite. Quando se precisava de alguma coisa emprestada, podia ser uma xícara de arroz, um pouco de farinha, erva para o chimarrão... sempre tinha o vizinho para socorrer. Quando uma das famílias abatia um animal, compartilhava um pouco da carne com os próximos, porque não se tinha refrigerador e, portanto, não se tinha como armazenar produtos perecíveis. O vizinho, obrigatoriamente, tinha que ser o melhor amigo. Ter contendas com os vizinhos estava fora de cogitação, pois sem telefone, sem condução, o primeiro vizinho era sempre a melhor opção.
Hoje, principalmente nos centros urbanos, vizinhos nem se conhecem. Cada um no seu trabalho, na sua casa, nas suas miudezas. E a amizade, a cordialidade, solidariedade, cara a cara, porta a porta, resta minguada. Meu outro vizinho me passou seu contato das redes sociais e é por esse canal que nos comunicamos, eventualmente, às vezes apenas por ‘emojis’ ou ‘emoticons’.   Seria bem mais amigável e civilizado eu ou ele atravessar a rua e conversar no portão, fosse para assuntar sobre o resto da vizinhança, ou saber como está a saúde um do outro.
 Pois é, não se fazem mais vizinhos como antigamente!