ATALHOS
Às vezes saio a caminhar. Normalmente no mesmo trecho. Mas
tem dias que enjoo do trajeto. Daí mudo a rota. Percorro outro itinerário, que me
mostre casas, calçadas, jardins e árvores diferentes. Meu olhar e percepções
requisitam novas paisagens e sensações.
Mudar
de percurso me traz breve deleite. Uma sensação de novidade, atualização de
consciência; efêmero sentimento de inovação.
Tem
dias que pego atalhos. Vou cortando ruas, reduzindo caminhos para acelerar meu
destino. Mas quando alcanço o final me arrependo por ter me poupado as pernas e
ter reduzido a possibilidade de mais cenários. Sento na grama orvalhada da
praça, tiro o tênis e forço meus pés contra a terra – necessidade de me
arraigar! Dobro minhas costas e deito para sentir por inteiro a sensação de
firmeza e ao mesmo tempo liberdade. Sou terra, chão, sol e ar!
Esta
necessidade de me harmonizar com a natureza tem me importunado um bocado. O tumulto
urbano, a poluição sonora e visual, o asfalto, as construções... Tudo perdeu a
graça. Tenho evitado as mecas de consumo porque não mais me bastam: lugares improfícuos
onde os passeios me cansam, os bolsos se esvaziam e o corpo engorda. O verde é
meu princípio vital. Faz-me falta olhar a chuva ostentando sua presença sobre
as montanhas ao longe, aproximando-se devagar, sem urgências, mas consistente
no seu propósito de beijar meu rosto e molhar meus pés. Quero resgatar minha
gênese. Preciso me buscar na zona em que me extraviei. Foram tantos anos e
planos: amores iniciados, outros mal resolvidos; filhos concebidos e paridos; poemas
inacabados, palavras mal
pronunciadas, versos não construídos; livros abortados, leituras interrompidas;
rascunhos rasgados; noites mal dormidas, remédios ingeridos... Entre outros muitos
‘idos’!
Agora o tempo
é breve, vertem líquidos os meus dias. Os prazos de validade vão-se vencendo e
se eu não aligeirar meus passos, me atrapalho e perco as horas. Todas as
demandas pedem urgência. Dobro os joelhos, subo meu corpo. Calço o tênis
e me coloco em pé num único impulso. Caminhar
é preciso, mas não há mais intervalos para abstrações. Hoje escapo
de passagens tortuosas, evito impasses, encurto
distâncias, sigo atalhos.
Gostei do texto. É bom de se ler, correto, incisivo. habilidoso, Vale a pena sua leitura.
ResponderExcluir"Caminha é preciso". Gostei do texto. Outra mente, coração, ideias e ideais. Meu desejo é ler mais. Guardarei o post para visitar.
ResponderExcluirJoão Roque
Belo texto querida Denair. Saudades, querendo sorver num intervalo destes um café.
ResponderExcluirFAz parte do itinerário
Excelente texto. Parabéns!
ResponderExcluirÉ preciso deixar a zona de conforto e mudar. Quando isto ocorre mudamos a nós mesmos.
Um grande beijo para ti.
Oi Sandra. Obrigada pela visita e pelo carinho. Grande beijo pra ti também.
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