VIDA QUE SEGUE
Estamos no final
de julho. O inverno insiste com sua presença distinta, principalmente aqui no Sul
do nosso país. Em função da quarentena acabamos não saindo mais de casa, a não
ser para fazer coisas básicas, essenciais, como supermercado, farmácia, médico.
Mas com esse tempo frio e chuvoso, não poder sair de casa nem é tão ruim assim,
e a tão malfadada quarentena se torna quase uma benção.
As tardes rolam soltas,
regadas a café ou chá quente, leituras, música, e outras mordomiazinhas que
gostamos de nos dar. Quem pode se dar esses luxos, deve agradecer aos céus,
porque tem muita gente que não tem nenhum conforto, nem casa, nem café quente,
nem comida, nem teto. E essas diferenças da humanidade sempre me inquietaram. Muito
militei pela igualdade de classes, pela divisão justa da riqueza, por um mundo melhor.
Hoje essas crenças ainda latem dentro de mim, porém com menos obstinação. O tempo
nos faz maduros e realistas demais. Nossos sonhos ficam um tanto dormentes. Não
sei até onde isso é bom ou ruim – tenho dúvidas!
Mas voltamos à
tarde de inverno aqui em casa. Tenho algumas ações para fazer. Os documentos
estão sobre minha escrivaninha há quase um mês, olhando para mim, atiçando
minha conduta, porém me extravio entre outros afazeres, leituras, vídeos... A disciplina
foi para o brejo e não encontrou caminho de volta. Fico eu perdida em
pensamentos e condutas, desviada do foco. Já me perdi do caminho para Ítaca. Mas
isso não importa. Não quero apressar a viagem, só quero sorver este café recém
passado, olhar a amoreira da minha janela que já está cheia de folhas e
pequenos frutos verdes. A única certeza que tenho é que em breve, com o
primeiro calorzinho que der, ela se fechará toda em folhas e frutos maduros, e
os pássaros voltarão, cantando, produzindo ninhos, parindo filhotes. São as
belezas do caminho. É a vida que segue.