sexta-feira, 29 de maio de 2020


TARDE DE QUARENTENA

Nessas tardes longas de quarentena, tenho estado melancólica, saudosa do meu filho, das minhas amigas e de outras tantas coisas. Em casa sempre há o que se fazer: uma roupa para lavar, outra para estender, varrer o pátio, limpar o chão, cozinhar, assar um bolo, fazer um creme... escrever, ler, assistir um filme ou série. Mas nada se compara àquele abraço apertado recebendo uma amiga que vem dividir um café com prosa.
Semana passada resolvi ligar para algumas amigas, convidando, timidamente, se não se importariam de vir me ver, afinal estou me cuidando, só saio com máscara, uso álcool em gel todo tempo, não tenho sintomas.
Uma das mais queridas, ousadamente aceitou meu convite. Às 16h ela me chamou no portão. Coloquei a máscara e fui recebê-la. Ela também usava máscara. Abri a porta e passei a mão no álcool, lavamos as mãos juntas e só então nos abraçamos longamente. Foi o melhor abraço que troquei nos últimos meses, longo e carregado de afeto.
Passei um café, enquanto ela me contava da última viagem para Portugal, onde se escapou ali, conseguindo embarcar de volta quando já alguns aeroportos estavam cancelando voos por causa da pandemia. Conversamos sobre amenidades, rimos, nos distraímos. Só tiramos as máscaras para tomar o café e comer o bolo de milho. Fora o caloroso abraço inicial, não nos tocamos e nos mantivemos há um metro de distância.
Foi uma tarde tão valiosa que não consigo nem definir. Pudemos quantificar a essencialidade da presença humana nas nossas vidas. Ter alguém para tomar um café, conversar, abraçar, não tem preço, é algo divino! 
Depois de uma hora e poucos minutos ela se foi. Novamente nos demoramos num abraço apertado e nos contaminamos de amor e energia!

terça-feira, 21 de abril de 2020


O ANO QUE NÃO COMEÇOU

Como é de costume, na passagem de um ano para o outro, tem toda aquela ritualística: se comemora o Natal, a virada do ano, vem as férias escolares, e do trabalho dos que ainda o tem.
A passagem de 2019 para 2020, já começou diferenciada, sem horário de verão. Muitos gostaram, outros abominaram, afinal há mais de 20 anos já era costume este ato de adiantar os relógios em uma hora.
Quem saiu de férias em janeiro conseguiu gozar bons dias. Em fevereiro, já se começou a ouvir ruídos distantes, vindos da China, sobre um vírus que estava matando pessoas em Wuhan. No começo parecia algo remoto, restrito àquela província, àquele país. Nesse meio tempo tivemos nosso carnaval, que encheu as praias, as ruas, os salões... todo mundo brincando feliz!
Passada a folia carnavalesca, tivemos notícia do primeiro caso importado do novo coronavírus, para o Brasil. Nesse período também, teve a retirada de 40 brasileiros que moravam na China, trazidos de volta num avião da FAB, ficando em   quarentena em Goiás.
No meio disso tudo, a enchente em São Paulo e Minas Gerais, a estiagem na região sul. A reforma da previdência, a reforma trabalhista, a reforma administrativa e tributária... mal faladas e trancadas no foro da política.
Voltando ao coronavírus, foi em curtíssimo tempo que se transformou em pandemia, intitulado Covid19. As autoridades da saúde mundiais e locais decretaram o isolamento social para evitar sua expansão. Já estávamos dentro de março, o comércio e escolas fechados, portanto pais e filhos em casa, as pessoas reclusas, fora dos seus trabalhos, gente morrendo nas UTIs dos hospitais que na sua maioria não dão conta da demanda de doentes. Tudo o que todos já sabem!
Tenho a severa impressão que o ano de 2020 ainda não começou. Dá um mal-estar, pensar nessa conjuntura toda: instabilidade social, política, econômica. Uma realidade sombria, que eu não gostaria de estar descrevendo aqui, mas é o que temos.
Eu ainda estou na expectativa otimista que o 2020 comece de uma vez, trazendo na brisa suave das manhãs de outono, a saúde para o Brasil e o mundo, e podermos todos sair correndo rua afora, sem máscaras, confinando amigos e familiares dentro do nosso mais fraterno abraço.







sexta-feira, 27 de março de 2020


#FUIPRARUA

Hoje foi o décimo dia da quarentena. Mesmo não tendo ainda sessenta anos, contrariando todas as orientações, rebelei-me contra o novo sistema instaurado por decretos das autoridades, mandando todo mundo ficar em casa por conta da pandemia, vesti minha roupa de caminhar e saí correndo rua afora.
O ar está mais leve, a poluição sonora acabou, consegui ouvir de longe até o canto das cigarras, mesmo aqui na zona urbana. Andei por várias ruas do meu bairro, passei no mercadinho da esquina e com a desculpa de que me faltou bananas, entrei, dei bom dia para o açougueiro, paguei as bananas no caixa e zarpei.
Encontrei dona Helena, uma senhora de mais de oitenta anos, que escondeu o rosto, como a dizer ‘estou fazendo arte, não me reprima’. Dei um ‘oi’ de longe, enquanto ela justificava que tinha lhe faltado leite. Um outro senhor, andando com seu cão, ao me ver, deu meia volta e entrou em casa, receoso de qualquer repreensão.
Concordo com as medidas de isolamento social, tomadas pelos governantes, no sentido de combater a aceleração exacerbada do Covid19. Mas estou muito preocupada com as consequências econômico-políticas dessa crise mundial.
E você vai dizer: - concorda, mas saiu para caminhar?
Sim, só hoje, daqui mais uma semana, talvez, saio novamente, só para contrariar, e me prevenir da loucura.