OLHAR ACUSADOR
Nunca gostei muito de espelhos. Gosto de me apreciar, mas sem
narcisismos. Como diz Caetano, “todo Narciso acha feio o que não é espelho”.
Dia desses entrei num magazine, com departamentos e roupas de todo gênero. Empolgada, enchi uma
sacola de peças variadas e me enfiei num provador. Tinha espelho nos três lados
e no teto, luzes fortes e claras. Via-me por todos os ângulos e naquele espaço
de um metro quadrado de espelhos não há mínimo detalhe das tuas carnes que
passe ileso. Tirei o que vestia e comecei aquela maratona de experimentações.
Tudo ‘caia muito mal’! O que estava errado? Parecia gorda, barriga com ‘pneus’,
a cintura sumida entre gorduras localizadas, culotes salientes, bunda flácida,
seios enormes, canelas finas, cabelo seco e sem vida, com fios brancos na raiz,
o nariz caído, pés de galinhas? Também, muitos pés com pernas e tudo. Vi-me
literalmente nua, exposta em toda vulnerabilidade da minha matéria. Nenhum
ângulo me dava qualquer esperança. Estava velha, gorda e feia! Os ‘olhos do
espelho’ acusavam a verdade dos fatos. Prova cabal. Sentença irrecorrível.
Julgada e condenada pelos caprichos do tempo.
Sai do provador arrastando a sacola de roupas junto com minha
auto-estima. Chegando à casa fui tirar satisfações com meu espelho.
_ Ingrato, porque me enganou tantos anos? Por que teus olhos não acusam a
realidade das minhas formas?
Serenamente, me acalmou:
_ Querida, não sou eu o ingrato. Os espelhos que te viram, também mostram
as milésimas cicatrizes de plásticas, peitos e pernas turbinados, rostos
esticados, cabelos tingidos, narizes empinados.
Serenamente, me acalmei. Meu espelho é bem mais sincero, honesto, leal.
Beijei-me nele e me gostei muito.
Afinal, cada mulher se espelha do jeito que quer.