REENCONTRO
Estou aqui
a rabiscar sobre as linhas vazias de um resto de caderno, empacada num poema
que insiste em não nascer. Mais uma vez um parto difícil. O pior é que o sinto
latente, espremendo meu ventre, querendo rasgar-me a carne, sangrando-me de
dores. Mas, nada! Apenas algumas palavras perdidas, sem nexo nem sucesso. O que
será que me travou assim?
Terá sido
este longo e friento inverno? O tempo sobrando que eu nunca acho? As panelas,
os gatos, as roupas, os pratos...?
Parece que me perdi nesta vida
doméstica que não se recicla e já nem sei embaixo de qual tapete ou sobre qual
armário me deixei acomodar.
No ímpeto
de ressurgir-me, saio a caminhar até a Redenção: passo pelo laguinho e chego às
bancas da feira. Sinto o cheiro das flores de pêssego, do melado na pipoca, do
incenso e outros tantos. Meu instinto já desperta, conspirando ao meu favor.
E, no café
do Maomé, reencontro meu sabor.