sexta-feira, 2 de setembro de 2016

AMORAS NA JANELA

No jardim da minha vizinha tem um pé de amoras. Mas apenas as raízes e o tronco são da vizinha. Os galhos, as folhas, flores e frutos, penderam todos para o meu lado.  Quando estudei Direito, especificamente na disciplina das obrigações, lembro-me de um artigo do código civil que diz que “os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram...”. Então, conforme dispõe a lei, as amoras da vizinha são minhas!
 Mas isso não tem a menor importância para mim, nem para a vizinha. O que importa mesmo é a beleza que se forma na minha janela, principalmente nesta época do ano, entrada da primavera. As folhas rechearam a copa; os frutos ainda estão verdes, mas carregam os galhos e logo estarão amadurecendo. E os sabiás e bem-te-vis alvoroçados, pulam de cá para lá, cada qual tentando criar uma melodia maioral para encantar as fêmeas e conseguir iminente acasalamento.
Os ramos estão quase entrando na minha sala, mas não vou arrancar uma folha sequer. Quero acompanhar este espetáculo da natureza bem de pertinho. Lembro-me dos primeiros brotinhos que surgiram há um mês. Cada manhã, a amoreira ficava um pouco mais verde e agora é um mar de folhas.  E minha casa se irradia de cheiro verde e vigor.  Quando tem sol, a sombra da amoreira se desenha no meu chão. E eu caminho sobre esta obra de arte.
Quando os frutos maturarem, terei amoras vermelhas ao alcance da minha mão. De manhã, ao levantar, vou abrir a janela e compartilhar com os pássaros um saboroso café com amoras.  Será uma festa só. 

sábado, 20 de agosto de 2016

IDADE DO LIMBO

Etimologicamente, limbo tem origem no latim limbus, cujo significado é beira, orla, borda ou margem. Com base na origem da palavra, o significado figurado de limbo revolve sobre o estado daquilo que é negligenciado, esquecido, ou seja, está no limbo. No Catolicismo, o limbo é conhecido como o destino daqueles que não receberam o sacramento do batismo. Informalmente, usa-se o termo limbo no cotidiano para dizer-se do lugar onde coisas sem importância são esquecidas ou onde guardamos aquilo que julgamos sem utilidade ou função ativa.
Pois bem, eu descobri que estou na idade do limbo. A idade entre os cinquenta e sessenta anos, é um tempo onde não somos mais nem uma coisa nem outra. Passamos da idade balzaquiana, da idade da loba e viramos cinquentonas. Nem um termo específico tem essa idade. Estamos na fase do climatério que precede o término da vida reprodutiva da mulher, marcado por alterações somáticas e psíquicas e que se encerra na menopausa. Algumas mulheres chegam aos cinquenta com essa fase superada, outras não. Mesmo já estando aposentadas da nossa atividade profissional, não podemos usufruir alguns direitos das sessentonas, como passagem de ônibus gratuita, meio ingresso em shows, teatro e cinema, prioridade nas filas, etc. Eu digo que este período corresponde à  uma adolescência da terceira idade. Uma fase metamórfica. Antigamente, se falava na ‘idade crítica’, referindo-se à idade do climatério. Concordo em grau, gênero e número com este termo. Nada mais crítico do que sentir-se entrando na terceira idade, com todos os sintomas e crises possíveis, com deficiência de colágeno, queratina, cálcio, vitamina D, tendo que tratar tudo isso, fazer reposição hormonal, mas sem os direitos e benesses que ainda estão por vir. Para mim, esse sentimento é aquele que vivenciamos quando não encontramos o nosso lugar. É quando não nos encontramos em canto algum. Momento de transformação. Mudanças que trazem muitos desconfortos, breves para algumas, prolongados para outras.
Grosso modo, "ficar no limbo" significa morrer sem poder entrar no céu nem ingressar no inferno. Cinquentonas, bem-vindas ao umbral, sem perder a  esperança de alcançar o éden, no menor tempo e sofrença possíveis. 

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

PREJULGAMENTO

A maioria de nós tem o costume, ou defeito, de ver uma pessoa ou situação e já fazer um juízo, sem saber muitas vezes, nem o nome da criatura, nem a origem e veracidade dos fatos.  Olhei e não gostei e ponto final. E não me venha dizer que você não é assim, não tente eximir-se de culpas. Pelo menos uma vez você prejulgou.
Eu perdi a conta das vezes que prejulguei. E admito que oitenta por cento dos casos me enganei. E me enganei feio. Eita defeitozinho medíocre, de nós humanos, preconceituar, predefinir.
Uma das vezes que me aconteceu, depois de quase estar odiando aquela pessoa, tive a oportunidade de trocar meia dúzia de palavras com ela, saber seu nome, sua profissão, de onde era entre outras coisas básicas. Mas já foi o suficiente pra eu engolir no mínimo cinquenta por cento do meu julgamento precoce. Alguns dias a mais de convivência, eu já estava admirando a criatura. E um pouco adiante, já tinha certeza que ela era bem melhor do que eu. Não que me subestime, mas ela se superou diante do meu parecer inicial.
Depois disso tento me vigiar e até orar, pra me precaver desta falha de caráter, que deveria até estar na lista dos sete pecados originais.
Prejulgar é feio, é pobre, é egoísta, é mesquinho. Coloca-nos abaixo da sola do chinelo. A gente se engana com as pessoas, isso faz parte das interações, mas não nos dá o direito de fazer juízos, destilar nosso azedume língua afora.
Todo prejulgamento corre sérios riscos de falir ou ferir, e causar prejuízo.
E já que toda essa questão tem o prefixo ‘pré’, melhor mesmo é nos precaver de julgar sem conhecer.