TOMANDO POSSE
Num surto de ânimo e vontade, há tempos ausentes em mim, nesta semana
remexi tudo na minha casa. Arrumei o roupeiro, guardando as roupas de inverno
nas prateleiras e gavetas mais altas, deixando as de primavera e verão à
frente, limpas e bem dobradas. Desfiz-me
daquelas que não uso mais, tirei o pó de tudo, borrifei com água perfumada de
flor de laranjeira. Depois separei alguns calçados de saltos, que não posso
mais usar por causa da lesão crônica no tornozelo, fotografei e anunciei para vender
num site de desapego. Vasculhei tudo no quarto do meu filho, hoje desocupado, encontrei
cupins no baú de guardar roupas sujas. Removi-o para fora. Com a vassoura
retirei algumas teias de aranha nos cantos do teto, arredei móveis, varri e
lavei tudo.
No outro dia fiz o mesmo nas outras
peças, banheiro, cozinha, sala, área de serviço... Limpei, limpei e limpei, com
vontade e carinho! As plantas que estavam empoeiradas lavei folha por folha,
troquei a terra, mudei de lugar, e elas reavivaram.
Durante esta faxina de interação, fui
percebendo o quanto eu havia deixado de lado a minha casa, meu lar, minhas
‘coisas’. Há muito eu não fazia isso, pagava para alguém fazer de vez em
quando, não dava importância se alguma coisa estragava, se as flores estavam
secas por falta de água, se o teclado se enchia de pó por falta de uso, se as
roupas estavam amassadas por descuido e desleixo. Confesso que estive assim por
alguns anos, meio ‘ausente’ da casa, da vida, de mim. Parece que de repente
acordei! E nesta epidemia de ânimo que me toma agora, adotei a Maju, uma
gatinha preta e mimosa, para preencher o vazio de animais na casa, que durou
três anos, desde que minha gata Maia nos deixou. Até a vontade de ter e cuidar
de um bicho tinha-me abandonado.
Incrível como é importante a gente
cuidar do que a gente tem, seja lá o que for, casa, móveis, roupas, flores,
bichos, companheiro(a)s, trabalho, ninharias ou não, são o que temos. Hoje me
sinto novamente mais intensa e plena, retomando a posse do meu lar e da minha
consciência, perdidas por negligência e desídia. Não posso me culpar, porque
andei um tanto desorientada, consequência de sucessivos fatos e notáveis abalos
que não vale a pena aludir. O importante é que me recobrei e estou disposta e
alerta de novo para cuidar e amar o que me pertence. São as conquistas que a
vida me permitiu até aqui, não posso ab-rogar por descaso e indolência.
Acredito que assim como eu, você
também já deve ter passado por fases sinuosas aonde se vai abandonando tarefas
e responsabilidades, o abatimento vai nos consumindo como se fosse uma planta
parasita definhando a planta anfitriã. Ainda bem que o tempo, a vontade, o
esforço e a fé, são recursos que nos acorrem, nos chamando de volta à posse de
nossas vidas.