ROSÁRIO
Numa tarde de sexta-feira de inverno, recebi em casa aquela mulher. Corpulenta, de cabelos longos, espessos e escuros. Entre trocas de sorrisos e abraços, convidei-a para sentar. Iniciou seu trabalho de manicure e nesse meio tempo, servi um chá para nós. Enquanto ela tirava os apetrechos do nécessaire, meus pés ficaram de molho na bacia de água morna.
Entre
chás e cutículas, foi discorrendo intimidades. Ela me contava, com muito pesar,
os descalabros do marido. Conhecera ele há vinte e quatro anos atrás, numa
fábrica onde ambos trabalhavam; que se apaixonou logo e um mês depois, cheia de
malas, ela se foi ao encontro dele para ficar; que alguns da família dele disseram:
‘filha, você é tão jovem e bonita, fica aqui não, volta para sua casa’. A mãe,
a amiga, a vizinha... todas alertaram da aventura em que estava se colocando. Ela
não ouviu ninguém, estava obstinada por morar com aquele homem. Logo veio uma
filha, e já foi o tempo suficiente para aperceber-se do equívoco consumado.
Tentou voltar para a casa dos pais, mas o homem foi atrás e a trouxe de volta. Engravidou
do segundo filho, e as exiguidades só aumentaram. Ela ralava no trabalho da
casa e o homem na boemia, cachaça, jogo e mulher, costumes próprios daqueles
machos ribeirinhos. Vieram outros filhos e mais adversidades. Eram palavras de
rebaixamento, maneiras egoístas, joguinhos emocionais... Junto com os anos que
passaram, o corpo se transformou, os desgostos se multiplicaram, a autoestima
zerou. O sofrimento foi enlutando seu coração e ela sustentava toda a dor
daquele relacionamento abusivo. Agora, ‘fazia unhas’ para ter seu dinheirinho,
porque ele colocava o pouco que ganhava na farra... e desatou em um choro só!
As
lágrimas rolaram no seu rosto, desaguaram entre nossas mãos e desembocaram na
bacia que molhava meus pés, e ali se diluíram. Foi um momento de comoção. Eu
não sabia direito o que fazer, se confortava, se oferecia um copo d’água, se
rezava, ou me aliava àquela tristeza toda e chorava também. Pude perceber o
quanto aquela mulher, fisicamente forte, estava quebrada por dentro, frágil,
desabrigada da vida e de si. Amparei com
as palavras de apoio que consegui produzir naquele momento doído. Era uma
mulher como eu, guerreira, com seus dilemas e penas. Achei melhor parar o trabalho,
servir mais chá. Fiz mais, cortei um
pedaço do bolo de milho quentinho que eu recém tinha tirado do forno e coloquei
para nós. Mostrei interesse em ouvir, acolher, orientar.
Lá
fora, o vento sudoeste soprava da Lagoa, sacolejando as vidraças, sinalizando
mudanças. Nós duas, assim ficamos, tarde a dentro, desfiando nosso rosário da
paixão, compondo sorrisos e tecendo projetos de liberdade.
Nossa Mana, até eu fiquei com dó dessa manicure, e das milhares e milhares de mulheres q vivem essa relação abusiva, por isso nunca dependo de homem nenhum, sempre me virei sozinha afffff
ResponderExcluirÉ mana, nada como a gente ser lúcida e auto-suficiente!
ExcluirQue bom o teu relato, Dena! É o drama de milhares de mulheres que ficam cativas e não conseguem ter uma orientação sequer para conseguir se libertar...
ResponderExcluirBem.isso Virgínia. É a gente sabe q a nossa lei Maria da Penha nem sempre funciona e/Ou é eficiente. Bjs amiga!
ExcluirQue bom o teu relato, Dena! É o drama de milhares de mulheres que ficam cativas e não conseguem ter uma orientação sequer para conseguir se libertar...
ResponderExcluirDenair,
ResponderExcluirA cada melhor, aperfeiçoando teus textos.
Tens que entrar na Frente Parlamentar de Incentivo à Leitura que presido na Câmara.
999335309 - se deres OK, te incluo no grupo.
Saudade
Adeli
Bom dia querido amigo. Obrigada pelas palavras de incentivo e carinho. Pode sim me incluir.bjs
ExcluirLindo teu texto, traduzindo histórias tão profundas e verdadeiras, infelizmente tão comuns... bjs
ResponderExcluirObrigada Adriana, pelo carinho e pela leitura. Bjs
ExcluirParabéns!! Mais uma crônica verdadeira. Quantas mulheres não têm para quem contar ou têm vergonha de fazê-lo.
ResponderExcluirParabéns, muito linda. Hoje em dia ninguém tem mais tempo para ouvir. Beijão.
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