LUGAR DE HOMEM É NA RUA
Foi um período de transição. Meu marido terminou uma
sociedade comercial e mudou-se para dentro de casa com sua agência de
publicidade. Era só por uns dias, até liberar um outro espaço que estava
ocupado. Teve todo o meu apoio, afinal trabalhar dentro de casa era o melhor a
fazer naquele momento. Ocorre que eu também não trabalhava mais fora. Recém
tinha me aposentado e finalmente retomaria meus textos e outras mil e uma
coisas proteladas, em casa.
Nos primeiros dias foi muito bom. No café da manhã e
nas demais rotinas, nós dois juntinhos, ao alcance físico um do outro, vinte e
quatro horas. Os dias passaram, fechou um mês, dois, três... Algo começou me
incomodar. Aquela figura masculina, plantada na sala, na biblioteca e vice-versa,
passou a me desconcentrar. Sem contar que a nossa casa virou um grande depósito
de papel, computadores, impressoras, livros, revistas, tintas, cenários, tela e
cavalete, porque meu amado homem transferiu até seu atelier para dentro do
nosso lar.
Aquilo me foi
sufocando e uma enorme necessidade de espaço e solidão tomou conta de mim. Não
podia mais vê-lo à minha frente. Aquele homem, apesar de todo meu amor,
diuturnamente sob meus olhos, definitivamente eu não aguentava mais. Sentia
falta de sentir saudades! Tudo o que ele fazia, como o modo de sentar, a fala
ao telefone, o riso, o bocejo, o espirro, a lentidão dos dedos no teclado, me
irritavam. Procurava ficar o máximo de tempo nos demais cômodos da casa e fazer
tarefas externas, mas quando retornava e via aquela mesma pessoa plantada no
meio da nossa sala...Ai que raiva!
Até que um dia ele foi visitar um cliente e, depois
de meses, passou toda a manhã na rua. Naquelas poucas horas produzi um mundo.
Liguei o som no meu programa e volume, aspirei o pó da sala, penteei nossa
gata, amassei e assei pão, escrevi, li e cantei. Nunca mais tinha me sentido
tão livre dentro de casa, sem o grilhão daquela presença constante.
Me perdoem as mulheres que reclamam dos seus homens
que vão ao futebol, com os amigos, que trabalham muito tempo fora, mas lugar de
homem é na rua. É da essência masculina desde a gênese. Nós mulheres, podemos
circular tanto dentro como fora de casa. Todos os espaços são nossos, porque
somos necessárias em todo e qualquer lugar.
Homem dentro de casa, só para
substituir ‘ipsis literis’ a mulher e à noite, com toda certeza, para o afeto e
o sono. Fora destas hipóteses, deixem os homens no trabalho, no futebol, nas
reuniões e com os amigos. É sua tarefa e talento.