sexta-feira, 15 de julho de 2016

O VALOR QUE SE DÁ


O dia amanhece nublado, outra vez. É inverno, normal. Acordo e abro a veneziana do meu quarto, devagar, com medo do tempo estar fechado. E está!
É sábado, e eu quero sol. Mas a natureza é quem sabe, é quem manda. Penso no valor que tem um dia de sol. Ele aquece, energiza, estimula a vitamina D, anima a vida. Quando tem sol sentimos vontade de abrir as janelas da casa, de estender roupas no varal, de caminhar no parque, tomar chimarrão na praça, levar o cachorro pra passear.
Penso no valor que tem tudo aquilo que nos falta ou que não vemos. Neste sábado foi o sol. Noutros dias são pequenas coisinhas que se tornam enormes se não as temos ao nosso alcance. O abraço de um filho, o colo da mãe, a palavra de apoio do pai, o aconchego de um lar. O afeto de um amigo, um ombro que nos acolhe. A flor no jardim, no vaso da sala, ou na beira da estrada. O cobertor que aquece. O cheiro de um café passado, e tantas outras coisas valorosas que se perdem no infinito das horas.
Enquanto conjecturo, o céu vai se abrindo, e já sinto alguns raios do sol latejando no  meu rosto. Momento, para mim, de valor inestimável. Um bem que não troco por nada. Nenhum suborno privar-me-ia do prazer que este sol me dá. Pequenos prazeres, grandes satisfações.
E assim é a vida. Como um bolo recheado de vários sabores. Tem gente que valoriza uma dedada de merengue, outros uma colherada de recheio ou uma fatia generosa. Mas tem os que não se saciam. Empanturram-se com o bolo todo e nem sentem o sabor das camadas.  E os farelos restam pras formigas, que por saber dar valor, ficam com a melhor parte. 

sexta-feira, 8 de julho de 2016

QUEM SOU

Nascemos dependentes, parte de nossas mães. Com afeto e alimento, crescemos. Afeto muitas vezes falta. Alimento, em certas circunstâncias também. Assim vamos evoluindo. Caminhamos, falamos, brincamos, estudamos. E chega a adolescência. A personalidade está formada. As impressões da primeira e segunda infância, boas ou ruins, já estão impregnadas. No decorrer do tempo vão-se mostrando. Na busca da identidade é que, muitas vezes nos perdemos. E nesse caminho tortuoso, acertando e errando, é que sofremos e crescemos. Uns mais, outros menos.
Nossa identidade é algo que vai mudando com o passar dos anos. E muitos chegam aos cinquenta sem saber exatamente quem são. Como diz Fernando Pessoa: o eu profundo e os outros eus! Alguém também disse que somos três: aquele que pensamos ser, aquele que os outros veem e o que somos de verdade. É aí que está o xis da questão: quem somos de verdade?
Eu sei que tenho vários  eus. E certa vez escrevi: ‘gostaria de poder agradar todas as mulheres que me habitam’. Mora em mim a filha, a mãe, a esposa, a amante, a dona  de casa que eu não queria ser, a profissional que eu não consegui ser, a escritora e mais as outras tantas que perdi pelo caminho.
A escritora é quem insiste em ficar e eu luto pra manter. Essa me faz bem. E quando sofro e choro é na ponta da caneta que busco consolo. E quando estou animada e feliz, ela palpita comigo.
Dessas várias personalidades que me habitam, algumas, sinceramente, eu gostaria de exonerar, me despojar. Outras eu aprecio e convivo bem.
Mas a escritora, intensa, sensível, delicada e complicada, se sobreexcede.  Resistente, inventiva e contumaz, sobrevive a todas as demais.
Essa me incita, me abriga e me liberta. Só nela encontro paz e sossego pra minha mente inquieta. 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

EM DIAS FRIOS

O inverno abeirou forte nesses últimos dias. Hora de descer os cobertores nos armários, puxar os edredons, vestir os casacões, mantas, gorros e botas. Ligar aquecedores, lareiras, fogões. Tempo fechado, sol aparece a conta-gotas, frio corta a pele do rosto, arrepia o cabelo. Dias perfeitos para hibernar. Tomar um mate quente ou um café e sorver junto com uma boa prosa ou leitura. Isso também depende das preferências de cada um. Tem quem prefere enrolar-se numa manta e ver um bom filme no sofá da sala, com um chocolate quente. Não importa o meio, o importante é estar aquecido.
Mas aquecer-se não é só uma questão de se encontrar provido de roupas e meios externos, é algo mais. É sentir-se envolvido num clima completo de bem estar e aconchego. Não envolve apenas um ato, mas uma sucessão deles. É um ritual. Quando se tem fogão à lenha, então, a liturgia é completa. O aquecer parte da busca da lenha, da retirada das cinzas antigas da fornalha, preparar o fogo, acender e alimentar as chamas. E junto vem: aquecer água pra o chimarrão, café, quentão ou similares; fazer pipoca, rapadura ou bolinho de chuva. A culinária varia de acordo com a descendência e costumes. Como disse uma amiga, o fogão é o rei do inverno. Impera sobre todos os outros métodos de calefação. È majestoso e envolvente; domina o ambiente sem ostentar. A lareira é charmosa, mas o fogão é cativante. Ter um fogão em casa é tradição e cultura.
Isso tudo me faz lembrar a infância. Um lugar de invernos rigorosos e fogão aceso o dia todo. A casa ficava quente e eu apreciava, da vidraça, o vento frio assoviando baixo e dobrando as copas; o chuvisqueiro fino que às vezes virava neve. Tinha pipoca com melado, rapadura, chimarrão e café de chaleira. Sem contar os pães quentes saídos do forno à lenha, sorvidos com alguma outra iguaria. Nesses dias ficava ruim trabalhar na lavoura, então se ficava em casa conversando ao redor do fogo e se recebia visitas. Um vizinho, um familiar distante, sempre havia alguém. Hoje em dia quem deseja apreciar esses costumes da nossa terrinha, paga bem caro por um local que forneça essas práticas como lazer.
E não podemos esquecer os moradores de rua, os desamparados, os irmãos menos favorecidos. Sempre há um agasalho, um alimento quente e um pouco de afeto sobrando na nossa vida, que pode fazer a diferença para o próximo. A solidariedade também é uma forma de aquecer nosso coração.