terça-feira, 21 de agosto de 2012


ESSENCIAL



Algum tempo atrás, estava conversando com meu filho. Ele me falava sobre seus relacionamentos na escola e na internet. Acredito que a melhor forma de saber com quem nossos filhos estão interagindo no mundo virtual é através da confiança e diálogo. Relatava-me sobre um ‘amigo’ que fez da cidade de Santos, jogando Tíbia. Tinha dúvidas sobre adicioná-lo ou não ao seu Facebook. Depois de ouvi-lo falar todas as características do internauta, dei meu parecer. Com um sorriso aliviado e seguro, me abraçou dizendo:

- Mãe eu te amo! Tu és essencial para mim.

Achei espetacular e forte aquele ESSENCIAL que ficou ecoando horas nos meus ouvidos. Ao mesmo tempo em que me sentia abençoada por aquela palavra de nove letras, aumentava meu sentimento de responsabilidade na sua criação. Afinal, o que significa ser essencial para alguém? Que sentimentos despertamos em alguém para que nos considere essencial em sua vida? Quem é essencial pode ou não falhar?

Metafisicamente falando, essência é uma coisa construída pelas propriedades imutáveis da mesma. Essencial é aquilo que é necessário. Por exemplo, o arroz, feijão e frutas foram alimentos essenciais para suprir a fome. Daí que somos essencialmente indispensáveis para a formação do caráter dos nossos filhos. A propriedade imutável deles. Seu feijão, arroz e frutas. Acredito que todos os pais, dentro de suas realidades se esforçam para ser muito mais do que este cardápio básico. Todos os dias a gente inventa algum prato ou no mínimo, um tempero diferente para aprimorar essa refeição. Não é uma tarefa fácil. Além de muita energia, é preciso vigilância, reflexão e até oração constante, para que nossa própria essência não se desintegre durante a caminhada.

Mas eles também são nosso ponto principal. Renovamo-nos com sua juventude e vigor. E lhes oferecemos a sabedoria das vivências, que de alguma forma, em algum momento da jornada deles deverá ter certa utilidade. Uma dinâmica simbiótica entre células que se renovam rapidamente com outras que já não processam mais algumas funções.

Uma relação de troca essencial para nossa felicidade e paz de espírito.

segunda-feira, 30 de julho de 2012


LUGAR DE HOMEM É NA RUA

Foi um período de transição. Meu marido terminou uma sociedade comercial e mudou-se para dentro de casa com sua agência de publicidade. Era só por uns dias, até liberar um outro espaço que estava ocupado. Teve todo o meu apoio, afinal trabalhar dentro de casa era o melhor a fazer naquele momento. Ocorre que eu também não trabalhava mais fora. Recém tinha me aposentado e finalmente retomaria meus textos e outras mil e uma coisas proteladas, em casa.
Nos primeiros dias foi muito bom. No café da manhã e nas demais rotinas, nós dois juntinhos, ao alcance físico um do outro, vinte e quatro horas. Os dias passaram, fechou um mês, dois, três... Algo começou me incomodar. Aquela figura masculina, plantada na sala, na biblioteca e vice-versa, passou a me desconcentrar. Sem contar que a nossa casa virou um grande depósito de papel, computadores, impressoras, livros, revistas, tintas, cenários, tela e cavalete, porque meu amado homem transferiu até seu atelier para dentro do nosso lar.
Aquilo me foi sufocando e uma enorme necessidade de espaço e solidão tomou conta de mim. Não podia mais vê-lo à minha frente. Aquele homem, apesar de todo meu amor, diuturnamente sob meus olhos, definitivamente eu não aguentava mais. Sentia falta de sentir saudades! Tudo o que ele fazia, como o modo de sentar, a fala ao telefone, o riso, o bocejo, o espirro, a lentidão dos dedos no teclado, me irritavam. Procurava ficar o máximo de tempo nos demais cômodos da casa e fazer tarefas externas, mas quando retornava e via aquela mesma pessoa plantada no meio da nossa sala...Ai que raiva!
Até que um dia ele foi visitar um cliente e, depois de meses, passou toda a manhã na rua. Naquelas poucas horas produzi um mundo. Liguei o som no meu programa e volume, aspirei o pó da sala, penteei nossa gata, amassei e assei pão, escrevi, li e cantei. Nunca mais tinha me sentido tão livre dentro de casa, sem o grilhão daquela presença constante.
Me perdoem as mulheres que reclamam dos seus homens que vão ao futebol, com os amigos, que trabalham muito tempo fora, mas lugar de homem é na rua. É da essência masculina desde a gênese. Nós mulheres, podemos circular tanto dentro como fora de casa. Todos os espaços são nossos, porque somos necessárias em todo e qualquer lugar.
Homem dentro de casa, só para substituir ‘ipsis literis’ a mulher e à noite, com toda certeza, para o afeto e o sono. Fora destas hipóteses, deixem os homens no trabalho, no futebol, nas reuniões e com os amigos. É sua tarefa e talento. 

domingo, 22 de julho de 2012


OLHAR ACUSADOR

Nunca gostei muito de espelhos. Gosto de me apreciar, mas sem narcisismos. Como diz Caetano, “todo Narciso acha feio o que não é espelho”.
Dia desses entrei num magazine, com departamentos e  roupas de todo gênero. Empolgada, enchi uma sacola de peças variadas e me enfiei num provador. Tinha espelho nos três lados e no teto, luzes fortes e claras. Via-me por todos os ângulos e naquele espaço de um metro quadrado de espelhos não há mínimo detalhe das tuas carnes que passe ileso. Tirei o que vestia e comecei aquela maratona de experimentações. Tudo ‘caia muito mal’! O que estava errado? Parecia gorda, barriga com ‘pneus’, a cintura sumida entre gorduras localizadas, culotes salientes, bunda flácida, seios enormes, canelas finas, cabelo seco e sem vida, com fios brancos na raiz, o nariz caído, pés de galinhas? Também, muitos pés com pernas e tudo. Vi-me literalmente nua, exposta em toda vulnerabilidade da minha matéria. Nenhum ângulo me dava qualquer esperança. Estava velha, gorda e feia! Os ‘olhos do espelho’ acusavam a verdade dos fatos. Prova cabal. Sentença irrecorrível. Julgada e condenada pelos caprichos do tempo.
Sai do provador arrastando a sacola de roupas junto com minha auto-estima. Chegando à casa fui tirar satisfações com meu espelho.
_ Ingrato, porque me enganou tantos anos? Por que teus olhos não acusam a realidade das minhas formas?
Serenamente, me acalmou:
_ Querida, não sou eu o ingrato. Os espelhos que te viram, também mostram as milésimas cicatrizes de plásticas, peitos e pernas turbinados, rostos esticados, cabelos tingidos, narizes empinados.
Serenamente, me acalmei. Meu espelho é bem mais sincero, honesto, leal. Beijei-me nele e me gostei muito.
Afinal, cada mulher se espelha do jeito que quer.