sexta-feira, 12 de agosto de 2016

PREJULGAMENTO

A maioria de nós tem o costume, ou defeito, de ver uma pessoa ou situação e já fazer um juízo, sem saber muitas vezes, nem o nome da criatura, nem a origem e veracidade dos fatos.  Olhei e não gostei e ponto final. E não me venha dizer que você não é assim, não tente eximir-se de culpas. Pelo menos uma vez você prejulgou.
Eu perdi a conta das vezes que prejulguei. E admito que oitenta por cento dos casos me enganei. E me enganei feio. Eita defeitozinho medíocre, de nós humanos, preconceituar, predefinir.
Uma das vezes que me aconteceu, depois de quase estar odiando aquela pessoa, tive a oportunidade de trocar meia dúzia de palavras com ela, saber seu nome, sua profissão, de onde era entre outras coisas básicas. Mas já foi o suficiente pra eu engolir no mínimo cinquenta por cento do meu julgamento precoce. Alguns dias a mais de convivência, eu já estava admirando a criatura. E um pouco adiante, já tinha certeza que ela era bem melhor do que eu. Não que me subestime, mas ela se superou diante do meu parecer inicial.
Depois disso tento me vigiar e até orar, pra me precaver desta falha de caráter, que deveria até estar na lista dos sete pecados originais.
Prejulgar é feio, é pobre, é egoísta, é mesquinho. Coloca-nos abaixo da sola do chinelo. A gente se engana com as pessoas, isso faz parte das interações, mas não nos dá o direito de fazer juízos, destilar nosso azedume língua afora.
Todo prejulgamento corre sérios riscos de falir ou ferir, e causar prejuízo.
E já que toda essa questão tem o prefixo ‘pré’, melhor mesmo é nos precaver de julgar sem conhecer.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

FIM DE TARDE


Desde criança os fins de tarde me trazem certa melancolia. Nunca pude identificar exatamente que sentimento é esse. No passado era uma mistura de saudade do dia que se acaba, ansiedade do escuro da noite que sombreia o horizonte, e a incerteza de um amanhã que está por vir. Hoje, olho pela vidraça da minha sala de estar, o sol curto de inverno, manda um breve adeus. Tão breve que quando chega sua hora derradeira, mal consigo apreciar sua beleza, exprimir um sorriso cor-de-rosa e deu. Ele se foi. E tudo ao meu redor passa a ser meio temeroso. Os móveis que já não avisto direito, os carros na rua, com os faróis baixos acesos; gatos miando nos telhados e um frio na minha barriga. Não alcanço o interruptor de energia para acender a luz. Um mal estar me assola por dentro. Alguma coisa na noite me traz aflição. E esta paralisia é somática. Como se o movimento fosse evocar lembranças que não desejo mais ter. Travo uma luta entre meus sentimentos e a realidade. Gostaria mesmo que este sol se estendesse por mais tempo. Que o dia não fosse tão breve e a noite não se demorasse tanto.
O barulho da porta me traz ao presente. Meu filho chega da rua com toda agitação e energia próprios da idade. Passa como num pé de vento e só ouço a frase ‘me faz um lanche que vou pro treino’.
As pernas me carregam até a cozinha e minhas vontades já não existem mais. Agora é atender ao pedido que meus ouvidos acataram. Penetro na realidade junto com o cheiro de bacon que sai da torradeira. A noite pende inteira lá fora. E só resta abafar meus receios na precisão das horas. 

sexta-feira, 15 de julho de 2016

O VALOR QUE SE DÁ


O dia amanhece nublado, outra vez. É inverno, normal. Acordo e abro a veneziana do meu quarto, devagar, com medo do tempo estar fechado. E está!
É sábado, e eu quero sol. Mas a natureza é quem sabe, é quem manda. Penso no valor que tem um dia de sol. Ele aquece, energiza, estimula a vitamina D, anima a vida. Quando tem sol sentimos vontade de abrir as janelas da casa, de estender roupas no varal, de caminhar no parque, tomar chimarrão na praça, levar o cachorro pra passear.
Penso no valor que tem tudo aquilo que nos falta ou que não vemos. Neste sábado foi o sol. Noutros dias são pequenas coisinhas que se tornam enormes se não as temos ao nosso alcance. O abraço de um filho, o colo da mãe, a palavra de apoio do pai, o aconchego de um lar. O afeto de um amigo, um ombro que nos acolhe. A flor no jardim, no vaso da sala, ou na beira da estrada. O cobertor que aquece. O cheiro de um café passado, e tantas outras coisas valorosas que se perdem no infinito das horas.
Enquanto conjecturo, o céu vai se abrindo, e já sinto alguns raios do sol latejando no  meu rosto. Momento, para mim, de valor inestimável. Um bem que não troco por nada. Nenhum suborno privar-me-ia do prazer que este sol me dá. Pequenos prazeres, grandes satisfações.
E assim é a vida. Como um bolo recheado de vários sabores. Tem gente que valoriza uma dedada de merengue, outros uma colherada de recheio ou uma fatia generosa. Mas tem os que não se saciam. Empanturram-se com o bolo todo e nem sentem o sabor das camadas.  E os farelos restam pras formigas, que por saber dar valor, ficam com a melhor parte.